quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Indústrias Farmcêuticas abandonam o RNA interferente - objeto de muitas polêmicas sobre o que é ciência e lucros financeiros.


Nota de C&T:
A matéria postada abaixo deste quadro, sobre investimentos da Indústria Farmacêutica, mostra uma realidade que a sociedade não considera na hora que entra em uma farmácia para comprar um medicamento, como também muitos profissionais de saúde não avalia o valor da Indústria Farmacêutica como Ciência, apenas como empresa lucrativa. O que seria da Medicina sem os investimentos das Indústrias de Medicamentos, Equipamentos e muitas outras Tecnologias? Como seria a sociedade sem a penicilina?
Nenhum investimento é feito para não se ter retorno, na ciência não pode ser diferente. Alguém tem que pagar a conta ao investidor. Desta forma, não estou afirmando que a Indústria Farmacêutica não prioriza os lucros. Claro que focam este fim.
O que seria da ciência sem investidores financeiros? Mata o investidor privado para ver o que a ciência fará só com o investimento público? De onde sai o investimento público quando há?
Nada se faz de inovação sem investimento. Para que investimos 20 anos em nossos filhos dando-lhes escola e condição de vida? Apenas para cumprir nossa obrigação de pais?
Precisamos como humanos, observar o mundo de uma forma mais racional para chegarmos a tão sonhada humanização dos meios.
Nota postada por Teófilo Fernandes.

Empresas farmacêuticas perdem interesse pelo RNA interferente.
Por Andrew Pollack
The New York Times

Quando o RNA interferente arrebatou os biólogos há alguns anos, as companhias farmacêuticas se apressaram em dominar o que parecia uma maneira rápida e certeira de desenvolver novos medicamentos.
Bilhões de dólares mais tarde, porém, algumas daquelas mesmas companhias estão perdendo o entusiasmo pelo RNAi, como é chamado. E isso vem levantando dúvidas sobre a rapidez com que a técnica, que venceu o prêmio Nobel ao conseguir desativar genes específicos, poderá render a prometida recompensa dos medicamentos inovadores.
A maior bomba foi lançada em novembro, quando a gigante farmacêutica Roche, da Suíça, declarou que cancelaria seus esforços para desenvolver remédios usando o RNAi - depois de investir meio bilhão de dólares ao longo de quatro anos.
Na semana passada, como parte de um amplo corte em pesquisa, a Pfizer decidiu fechar sua unidade de 100 funcionários trabalhando com o RNAi e tecnologias relacionadas. A Abbot Laboratories também cancelou silenciosamente seus trabalhos com o RNAi.
"Em 2005 e 2006, houve um súbito acúmulo de expectativas de que o RNAi curaria muitas doenças num intervalo muito pequeno", disse o Dr. Johannes Fruehauf, vice-presidente de pesquisa da Aura Biosciences, uma pequena empresa investindo no campo. "Acredito que parte da excitação está acabando, dando lugar a uma visão mais realista".
O problema é que, embora os remédios trabalhando com o mecanismo do RNAi realmente podem desativar genes, é muito difícil levar esses remédios até as células necessárias. Numa época em que as companhias farmacêuticas já estão reduzindo seus gastos em pesquisa, o RNAi vem perdendo espaço a alternativas que parecem mais próximas de gerar medicamentos comercializáveis.
"Não tenho dúvidas de que, com o tempo, o RNAi chegará ao mercado", disse Klaus Stein, chefe de modalidades terapêuticas da Roche. Mas ele acrescentou: "Quando analisamos o assunto, chegamos à conclusão de que temos oportunidades com uma prioridade mais alta".
A perda de apetite nas grandes companhias vem prejudicando empresas menores que se especializaram em RNAi. A Alnylam Pharmaceuticals, amplamente considerada a líder entre essas empresas, reduziu sua força de trabalho em um quarto no ano passado, depois que a Novartis resolveu não prosseguir com a parceria. E diversas pequenas empresas fracassaram em cumprir suas promessas, feitas a investidores, de que formariam alianças com grandes companhias farmacêuticas em 2010.
Ainda assim, muitos executivos e cientistas dizem que progressos estão sendo feitos. Na semana passada, duas empresas farmacêuticas europeias de médio porte assinaram contratos para explorar o desenvolvimento de remédios com RNAi. Embora ainda não existam provas definitivas de que o uso do RNAi possa efetivamente tratar uma doença humana, hoje existem cerca de doze medicamentos de RNAi em experimentos clínicos, um recorde até hoje.
Não é incomum, segundo executivos e cientistas, que o entusiasmo inicial por uma nova tecnologia entre em declínio, mesmo com a tecnologia sendo lentamente aperfeiçoada. Levou mais de 20 anos para que a descoberta dos anticorpos monoclonais, em meados da década de 1970, se transformasse em remédios amplamente vendidos - como o Avastin, para câncer, e o Humira, para artrite reumatoide.
"Grande parte da excitação pelo RNAi foi irracionalmente alta, para começar, e hoje é irracionalmente baixa", disse David Corey, professor de farmacologia no Centro Médico da Universidade do Texas, em Dallas.
O RNA é um primo químico do DNA nos genes. Ambos são cadeias de químicos chamadas de bases, que escrevem o código genético e são geralmente representados pelas letras A, C e G, além do T para o DNA e U para o RNA.
Embora o RNA fosse inicialmente considerado um mero mensageiro, hoje os cientistas reconhecem seu poderoso papel em ativar e desativar genes. Os descobridores do RNAi, Andrew Fire e Craig Mello, receberam o prêmio Nobel em 2006, apenas oito anos após a publicação de seu artigo embrionário.
O RNA interferente é um fenômeno natural. Quando uma célula pressente uma cadeia dupla de RNA, ela age para inibir quaisquer genes com a sequência correspondente de bases. Imagina-se que isso seja uma defesa contra vírus, pois o RNA é geralmente encontrado como uma cadeia única - exceto em vírus.
As implicações para as companhias farmacêuticas eram óbvias. Praticamente qualquer gene relacionado a doenças poderia, em teoria, ser inibido pelo desenvolvimento de um pequeno fragmento de RNA de cadeia dupla - chamado de siRNA (do inglês "small interfering RNA" - com a sequência correta de bases. Imagine inibir um gene que contribui para o colesterol alto, ou para a obesidade.
Em 2005 já havia três medicamentos prontos para experimentos clínicos, uma ação bastante rápida para os padrões da indústria farmacêutica.
Porém, dois deles - ambos focados em tratar a doença ocular chamada de degeneração macular pela idade - foram abandonados por não funcionarem bem o bastante. O terceiro, que buscava tratar uma infecção respiratória, mostrou alguns sinais de eficácia, mas experimentos conclusivos só estão sendo conduzidos atualmente.
Um obstáculo é que os fragmentos de RNA de cadeia dupla, talvez por lembrarem vírus, podem despertar certas sentinelas do sistema imunológico, disparando uma reação de defesa.
Em alguns casos, essas reações podem ser um indesejado efeito colateral. Em outros casos, como no tratamento de cânceres ou infecções, uma reação imunológica pode ser bem-vinda - mas pode também ocultar se a própria inibição do gene está funcionando.
O Dr. Arthur Krieg, que conduz pesquisas com o RNAi na Pfizer, disse ter examinado 35 estudos relatando que remédios de RNAi haviam encolhido tumores em animais. Apenas dois dos estudos usavam controles para descartar a possibilidade de a redução do tumor ser causada por uma reação imunológica, em vez de uma inibição de genes específicos.
Mas o maior desafio foi a entrega. O RNA se quebra rapidamente na corrente sanguínea. E mesmo quando chega nas células onde se precisa dele, ele enfrenta dificuldades para entrar nelas.
Porém, cientistas aprenderam a modificar quimicamente o RNA para que ele sobreviva na corrente sanguínea e evite causar reações imunológicas. Além disso, diversos mecanismos estão sendo desenvolvidos para ajudar a entregar o RNA.
No ano passado, cientistas liderados por Mark Davis, do Instituto de Tecnologia da Califórnia - que é um dos fundadores da Calando Pharmaceuticals -, publicaram um artigo na revista "Nature" demonstrando a primeira prova do RNAi, entregue pela corrente sanguínea, funcionamento em seres humanos.
Usando vários testes moleculares realizados em biópsias de tumores, os cientistas mostraram que um medicamento de siRNA havia penetrado nos tumores e inibido a atividade de seu gene alvo. Ainda é cedo, porém, para dizer se o medicamento realmente ajudará pacientes com câncer.
Lipídios
Hoje, a principal abordagem de entrega é embalar os fragmentos de RNA em minúsculas partículas de lipídios, como aquelas desenvolvidas por uma empresa chamada Tekmira Pharmaceuticals. Essas partículas se acumulam naturalmente no fígado, então muitos dos remédios de RNAi sendo testados hoje focam em problemas relacionados a esse órgão - como câncer de fígado e colesterol alto. Porém, essas partículas podem ter seus próprios efeitos colaterais.
Para entregar em qualquer outro local do corpo, cientistas estão experimentando amarrar algo ao RNA - algo que o guie a células ou órgãos específicos.
Num artigo publicado recentemente em "Science Translational Medicine", a equipe de John Rossi, do centro médico City of Hope em Duarte, na Califórnia, usou um aptâmero, um pedaço de RNA que se molda num formato distinto. O aptâmero de Rossi foi projetado para se unir a células imunológicas infectadas pelo HIV. Embora o siRNA sozinho não tenha reduzido os níveis do vírus em ratos, o siRNA ligado ao aptâmero conseguiu a façanha - um sinal de entrega bem-sucedida.
Mesmo assim, muitos problemas permanecem. O Dr. Alan Sachs, chefe global de ciência exploratória da Merck, afirmou que a companhia havia analisado mais de 300 ideias para entregar remédios de RNAi, mas ainda não encontrara alguma que fosse segura e eficaz o bastante - e que estivesse disponível para licenciamento.
A Merck foi uma das companhias farmacêuticas que mais investiu no RNAi, desembolsando US$1,1 bilhão em 2006 para adquirir a Sirna Therapeutics, empresa pioneira no campo. Embora Sachs diga que a Merck está satisfeita com seu investimento, a empresa ainda não possui um remédio de RNAi sendo testado - e vem usando a técnica mais para estudos biológicos básicos.
Um fator reduzindo o apelo do RNAi é o maior número de alternativas. A maioria dos medicamentos age bloqueando a ação de uma proteína no corpo. Mas algumas proteínas, devido à sua localização ou estrutura, não podem ser facilmente inibidas _ e são consideradas "à prova de remédios".
A promessa do RNAi é que ele pode desativar o gene, e consequentemente evitar que uma proteína problemática seja produzida. Subitamente, todas as proteínas se tornariam "sensíveis a remédios".
Caçadora de tumores
Mas outras técnicas estão sendo aprimoradas. Stein, da Roche, disse que sua companhia pretendia usar o RNAi para bloquear a produção de uma proteína chamada Mdm2, que se prende a uma proteína "caçadora de tumores", chamada P53, desativando-a. Hoje, porém, a empresa acredita que pode desenvolver um medicamento convencional para evitar que a Mdm2 se prenda à P53, disse ele.
Outro exemplo é uma proteína chamada PCSK9. As pessoas que têm essa proteína desativada - devido a certas mutações genéticas - possuem colesterol muito baixo e um risco reduzido de ataques cardíacos. Assim, as companhias farmacêuticas estão ávidas por criar medicamentos que bloqueiem a ação da PCSK9.
Embora inicialmente parecesse que apenas o RNAi poderia inibir a PCSK9, a Pfizer, a Amgen e a Regeneron Pharmaceuticals correram para conduzir experimentos clínicos com anticorpos monoclonais, uma técnica mais convencional. A Alnylam, enquanto isso, não iniciará seus testes com RNAi por mais alguns meses.
Mais um concorrente para o RNAi pode vir do anti-sentido, outra técnica para inibir genes que usam RNA. Ela foi estudada por mais de 20 anos, sem muito sucesso. Nos últimos dois anos, porém, grandes companhias farmacêuticas licenciaram mais medicamentos com tecnologia anti-sentido do que com o poderoso RNAi.
Mas esse também é um sinal de esperança para o RNAi. Se o anti-sentido está prestes a ser um sucesso, pode ser apenas uma questão de tempo para o RNA interferente.
"Muitas pessoas acham que agora é inverno para o RNAi", disse John Maraganore, presidente da Alnylam. "Mas eu acho que é primavera".


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