sábado, 16 de julho de 2011

Remédios que falam português

Foco em biofármacos e estímulo do governo podem ser peças-chave para o fortalecimento da indústria farmacêutica brasileira, apontam pesquisadores. Mas as empresas precisam investir em novas substâncias terapêuticas e começar a registrar patentes de fármacos nacionais.
Por: Isabela Fraga

Publicado em 15/07/2011 | Atualizado em 15/07/2011

A maior parte da indústria farmacêutica do Brasil tem suas bases de produção no exterior. Para mudar esse cenário, é preciso focar em linhas terapêuticas específicas, como os biofármacos. (foto: Rodrigo Senna/ Flickr - CC BY 2.0)
Dos medicamentos nas prateleiras brasileiras, cerca de 20% são produzidos com substâncias ativas nacionais. Dos 80% restantes, metade é importada de apenas três países – Alemanha, China e Estados Unidos. É: a maior parte da indústria farmacêutica do Brasil tem suas bases de produção no exterior.
Para mudar esse cenário, no qual o governo gastou cerca de oito bilhões de dólares em 2010, uma palavra-chave é: foco. “Se escolhermos um foco, uma linha terapêutica para produzir medicamentos, poderemos desenvolver uma molécula inovadora, e então a indústria nacional pode deslanchar”, cogita o farmacêutico Eliezer J. Barreiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O também farmacêutico Hayne Felipe da Silva, diretor do Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fundação Oswaldo Cruz (Farmanguinhos/Fiocruz), concorda e já pensa em alvos específicos. “Se apostarmos em fitoterápicos e em biofármacos, teremos condições de virar o jogo”, defende. Os pesquisadores participaram ontem (14/7) de mesa-redonda na 63ª Reunião Anual da SBPC, em Goiânia.
Estimular e cobrar
Diferentemente de outros países, onde empresas privadas respondem pela maioria dos investimentos em novos fármacos, no Brasil, o principal investimento em pesquisa e inovação na área parte dos cofres públicos. Uma maior integração entre a universidade e as indústrias farmacêuticas, portanto, costuma ser apontada como maneira de alavancar o desenvolvimento de novos fármacos. Mas, segundo Barreiro, não apenas isso.
Governo, universidades e empresas devem se unir para virar o jogo na produção nacional de medicamentos. Mas, para Eliezer Barreiro, da UFRJ, os laboratórios farmacêuticos apenas fingem interesse em inovação, sem investir em pesquisa nessa direção (foto: Flickr/ Certo Xornal – CC BY-SA 2.0).
“Nos últimos dez anos, o governo brasileiro tem despendido um esforço significativo em ações e políticas ordenadas e integradas com vários ministérios. O governo e a universidade revelam vontade de integração, mas as empresas também precisam mostrar”, defende o farmacêutico, para quem a indústria costuma apenas fingir que tem interesse em inovação, sem realizar investimentos ou pesquisas efetivas nessa direção.
No mercado de genéricos, a indústria nacional está mais consistente: cerca de 88% dele são formados por capital brasileiro
Estimular as indústrias privadas a investir em inovação farmacêutica radical – a produção de uma nova molécula, por exemplo – passaria, segundo o farmacêutico, por uma combinação de estímulo e cobrança por parte do Estado.
Por exemplo, se o governo garantir a compra de um medicamento para a doença de Chagas, a empresa aceita pesquisar e produzir. “Mas precisa haver fiscalização e cobrança para que o combinado seja cumprido”, complementa Barreira.
Inovadores & genéricos
No mercado de genéricos, a indústria nacional está mais consistente: cerca de 88% dele são formados por capital brasileiro. Mas a situação – à primeira vista confortável e lucrativa – deve ser analisada com cautela. “Empresas estrangeiras têm mostrado interesse nas indústrias de genéricos brasileiras”, alerta Silva. “A Pfizer, por exemplo, comprou este ano a Teuto [de genéricos]. Temos que ficar de olho.”
O cuidado para manter uma predominância nacional na produção de genéricos, no entanto, não esbarra na pesquisa de novos fármacos. “Um remédio inovador traz qualidade de vida e sempre vai ter lugar no mercado em relação aos genéricos”, explica Barreira.
De olho no lucro proporcionado pela inovação, no entanto, muitas empresas farmacêuticas globais deixam de produzir fármacos mais antigos, embora ainda eficientes. “São os chamados ‘fármacos negligenciados’, que dão lugar a outros mais modernos e caros”, explica Silva. “Deve-se tomar cuidado para que isso não aconteça.”
Isabela Fraga
Ciência Hoje/ RJ

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