segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O lado obscuro dos genéricos

Enquanto as vendas crescem acima dos 20% ao ano e movimentam bilhões, os centros de bioequivalência- parte fundamental para a produção dos medicamentos - clamam por socorro frentes aos concorrentes internacionais.

O ano de 1999 foi marcado pela implantação da política que regulamenta os genéricos, fiscalizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A partir de então, o governo investiu no setor para fomentar a produção desses medicamentos no País que, nos seis primeiros meses deste ano, movimentaram R$ 5,1 bilhões – um salto de 34,2% em relação ao ano anterior, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró Genéricos). Os resultados do segmento evidenciam um mercado promissor, em que as vendas em volume crescem acima dos 20% ao ano, impulsionando, dessa forma, o acesso da população a remédios que custam em média 50% menos do que os chamados de referência.
Nesse contexto, onde a projeção de vendas de 2012 está na casa dos 25%, há uma realidade de números decrescentes devido à contração de demanda. Tão incentivados, há décadas pelo poder público, os centros de bioequivalências nacionais – responsáveis por testar a eficácia e qualidade dos medicamentos – estão minguando ao concorrer com os centros internacionais, principalmente os indianos.
Com o introdução dos genéricos, a Anvisa registrou centros fora do Brasil para agilizar o abastecimento do mercado e, segundo o presidente da Associação Brasileira de Centros de Biodisponibilidade e Bioequivalência (ACBIO), Eduardo Abib, essa prática foi se consolidando até que, em 2011, o número de centros internacionais autorizados pela Anvisa ultrapassou os nacionais (veja tabela).
No último ano, pelos menos três unidades brasileiras fecharam as portas, o que representam 15% do mercado. E, junto com tais estabelecimentos, vão-se também “investimentos em alta tecnologia, profissionais especializados e conhecimento científico”, diz Rafael Eliseo Barrientos, gerente de análises bioquímicas da Magabi Pesquisas Clínicas, pertencente ao grupo Eurofarma, e vice-presidente da ACBIO.
A demanda, por exemplo, do Núcleo de Bioequivalência e Ensaios Clínicos (Nubec), vinculado à Universidade Federal de São Paulo, caiu 80% no último ano. “Os tributos aqui no Brasil são elevadíssimos, não conseguimos concorrer com os indianos em termos de tecnologia e infraestrutura”, comenta a gerente de projeto do Nubec, Mineko Tominaga.
Para Barrientos, dois são os motivos que geram as dificuldades enfrentadas pelos centros. O primeiro deles é consequência da adequação da produção de medicamentos similares nos mesmos moldes dos genéricos – regra estabelecida em 2003, com obrigatoriedade até 2013. “Houve um boom por causa da necessidade de se adequarem, mas, agora, 90% já estão em conformidade com a normativa”, explica.
A concorrência internacional é o segundo. “Há um ano, os centros internacionais passaram a ser mais competitivos devido ao artifício cambial. O real estava desvalorizado em relação ao dólar”, afirma Barrientos, completando que esse cenário está mudando em favor do Brasil.
Outros fatores que contemplam o chamado Custo Brasil deixam as unidades nacionais em desvantagem como, por exemplo, o alto custo da mão de obra local, tendo em vista o perfil de mestres e doutores necessários para a área; 35% de tributos durante o processo de importação do Espectrômetro de Massas (LC-MS/MS) – equipamento para a bioequivalência -, em comparação à taxa de 10% da Índia; e preços elevados com manutenção, já que não existem no País os aparelhos específicos para os testes e nem técnicos qualificados.
Além disso, um centro indiano cobra, em média, US$ 30 por amostra, preço 45% menor do que o brasileiro. “Há 12 meses, praticávamos preços por volta de R$ 70 por amostra, hoje é muito difícil passar de R$ 55”, lamenta o executivo da Magabi.
“Vários centros estão migrando para outro ramo de atividade, como análises clínicas, ou fazendo dosagens de aditivos na área de alimentos. Isso reflete uma perda em investimentos e recursos humanos ao longo dos últimos dez anos”, diz Mineko.
Ao que tudo indica a oferta de genéricos não sofrerá impactos, já que os laboratórios continuam a fabricá-los e testá-los, seja dentro ou fora do País. Os critérios analisados por uma indústria farmacêutica na hora de escolher um centro são: prazo, preço e qualidade. Na visão dos especialistas, o quesito preço é o grande responsável pela contração da demanda.
“Cada empresa escolhe de acordo com sua estratégia. O que importa é se elas estão cumprindo a legislação”, afirma a presidente da Pró-Genéricos, Telmas Salles.
Papel da Anvisa
Apesar de existirem mais de 20 centros certificados pela Anvisa fora do País, a Agência não possui nenhum controle dos processos no exterior – diferentemente da realidade local, em que tudo é computado em um sistema integrado.
De acordo com Barrientos, depois de muitas tentativas junto ao órgão em defesa dos centros, a Anvisa sinalizou que os sistemas online para a submissão dos dossiês nacionais são priorizados em relação aos internacionais, que chegam em papel, por correio. “Isso gera uma vantagem competitiva para nós. Esse sistema é relativamente novo, cerca de um ano, e ainda não mensuramos se isso é verídico”.
Com o novo sistema, a redução de tempo para a liberação do produto, de acordo com o órgão regulador, seria de 50%, ou seja, de um ano para seis meses.
A preocupação de Abib, presidente da ACBIO, reside no potencial que esses estabelecimentos representam para a credibilidade do Brasil no exterior, na possibilidade de conhecimento científico e tecnológico e desenvolvimento de projetos complexos. Algo que certamente deva interessar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, afinal, esses possíveis ganhos poderiam ser a vitrine de seu trabalho. Entretanto, devido ao período de greve no mês de julho, a agência não concedeu entrevista à FH.
Três fases para o teste
1 – Clínica: estabelece-se o protocolo clínico, onde as responsabilidades do patrocinador do estudo e do centro são atribuídas. O documento é submetido à autorização do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).
Inicia-se a internação dos voluntários – pessoas sadias, que se submetem ao teste. Coleta das amostras de sangue para verificar se houve absorção do princípio ativo no corpo do genérico, na mesma proporção do medicamento referência.
2 – Analítica: Envio do laudo para a análise estatística. Um software faz o cálculo da bioequivalência, expressa em números. Para a comercialização dos genéricos dois critérios precisam ser atendidos: quantidade e velocidade liberadas do fármaco no corpo iguais aos do medicamento referência.
3 – Estatística: Resultado da bioequivalência. Se está de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Anvisa.
*Média de três anos para colocar um genérico no mercado. Anvisa leva, em geral, um ano para aprovar o dossiê enviado pelos centros.
26 Centros Internacionais de Biodisponibilidade/Bioequivalência Certificados
Argentina
Diffucap – Eurand S.A.C.FI.
Austrália
Q-pharm Pty Limited
Tetraq Quality Preclinical Solutions
Canadá
Algorithme Pharma Inc.
Anapharm Inc.
Eslovênia
Lek Pharmaceuticals D.D
Estados Unidos
Bioanalytical Systems Inc (BASI)
Índia
Accutest Research Laboratories (I) Pvt Ltd
Axis Clinical Ltd.
Bombay Bioresearch Center (BBRC)
Clinsys Clinical Research Ltd
Fortis Clinical Research Limited
Glenmark Generics Research Center
GVK Biosciences Pvt Ltd.
Lambda Therapeutic Research Pvt. Ltd.
Lotus Labs Pvt. Ltd.
Macleods Pharmaceuticals Limited.
Ranbaxy Research Laboratories
Reliance Life Sciences
SUN Pharmaceutical Industries LTD
Torrent Pharmaceutical Ltd
Veeda Clinical Research Pvt. Ltd.
Zydus Research Center
Itália
Mader S.R.L.
R&D LABS.
Irlanda do Norte
MDS Pharma Services GB Limited
25 Centros Nacionais Certificados
Ceará
UNIFAC – Universidade Federal do Ceará Universidade / Unidade de Farmacologia Clínica
Goiás
ICF – Instituto de Ciências Farmacêuticas de Estudos e Pesquisas S/S Ltda
Minas Gerais
Cebio- Centro de Pesquisa em Biotecnologia Ltda
Instituto Hermes Pardini Ltda
Paraná
Biocinese – Centro de Estudos Biofarmacêuticos Ltda – ME
Pernambuco
Universidade Federal de Pernambuco/ Núcleo de Desenvolvimento Farmacêutico e Cosmético – Nudfac
Rio de Janeiro
Programa de Biofarmácia e Farmacometria da Faculdade de Farmácia/Universidade Federal do Rio de Janeiro – PBF
Rio Grande do Sul
Universidade Federal de Santa Maria/Centro de Estudos de Biodisponibilidade e Farmacocinética – Cebifar
São Paulo
Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina – SPDM / Núcleo de Bioequivalencia e Ensaios Clínicos – Nubec
Bioagri Laboratórios Ltda
Biocrom – Unidade de Farmacocinética/Associação Fundo de Pesquisa a Psicofarmacologia
Casa de Nossa Senhora da Paz – Ação Social Franciscana/Unifag
Centro Avançado de Estudos e Pesquisas Ltda – Caep
Core Pesquisas ClínicasLtda
Faculdade de Ciências Farmacêutica de Ribeirão Preto – USP
Fundação Instituto de Pesquisas Farmacêuticas – Fipfarma/ Laboratório de Biofarmacotécnica – Biofar/FCF/USP
Galeno Desenvolvimento de Pesquisas
LAL Clínica Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Ltda
Magabi Pesquisas Clínicas e Farmacêuticas Ltda
Maxilabor Diagnósticos S/C Ltda
MCM Análises Laboratoriais S.A. – Chromanalysi
Scentryphar Pesquisa Clínica Ltda
Statpharm Consultoria Científica Ltda
Scentryphar Analítica
Synchrophar – Assessoria e Desenvolvimento de Projetos Clínicos S/C Ltda
T&E Analítica Comércio e Análises Químicas Ltda
legenda: centro de bioequivalência Magabi, no Brasil:
Um centro indiano cobra, em média, US$ 30 por amostra, preço 45% menor do que o brasileiro. “Há 12 meses, praticávamos preços por volta de R$ 70 reais por amostra, hoje é muito difícil passar de R$ 55 reais”, lamenta o executivo da Magabi.
“Os impostos aqui no Brasil são elevadíssimos, não conseguimos concorrer com os indianos em termos de tecnologia e infraestrutura”

mineko tominaga, do NUBEC

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