domingo, 12 de agosto de 2012

A ciência petista: quem é amigo de quem?

Elio Gaspari, O Globo

Está na mesa da doutora Dilma, esperando sua assinatura, a Medida Provisória 563. É uma daquelas MP do tipo “aterro sanitário”, pois tem de tudo. Em tese, destina-se a estimular a indústria nacional. Na prática, distribui favores.

Chegou ao Congresso com uma lista de benefícios que ocupava duas páginas, ficou com 14. Um dos enxertos, patrocinado pelo senador Romero Jucá por inspiração do Ministério da Saúde, dispensa de licitação a compra de “produtos estratégicos” para o SUS quando houver “transferência de tecnologia”. Em bom português: dá ao comissariado o poder de atropelar o processo de transparência das compras.

O doutor Alexandre Padilha já se encrencou com um contrato de compra de softwares portugueses que, entre outras coisas, serviriam ao gerenciamento do Cartão SUS. Vinha embrulhado na parolagem do “estratégico” e da “transferência de tecnologia”. Exposto à luz do sol, o contrato foi suspenso e, logo depois, cancelado.

O artigo 73 da MP permitirá que o comissariado compre mercadorias para o SUS sem avisar ao público e sem explicar porque escolheu esta ou aquela empresa. Num exemplo hipotético, acontecerá o seguinte:

Admita-se que o SUS quer trazer uma nova tecnologia de remédio para hipertensão. Um laboratório sérvio desenvolveu um novo ingrediente, o “padilhol”, capaz de melhorar o desempenho de um anti-hipertensivo. Já um concorrente croata produz o “padilhil” e diz que tem as mesmas qualidades. O comissariado escolhe uma empresa de Ribeirão Preto que contratou a transferência da tecnologia do “padilhol” para vendê-lo ao SUS. Pela lei, o governo deve abrir uma licitação. Graças à MP 563, fica dispensado até mesmo de avisar a quem tem interesse no negócio, no exemplo, os croatas do “padilhil”. Licitá-la, nem pensar.

Se isso fosse pouco, enquanto durar o que se entende como “etapas de absorção tecnológica” (algo como um par de anos) a empresa de Ribeirão Preto ganhará o monopólio de fornecimento de um “padilhol” comprado na Índia. Algo como remunerar o pai porque o filho está na escola absorvendo conhecimento.

O que há de mais esquisito nessa operação é seu caráter secreto. Num negócio que, no futuro, poderá chegar a R$ 2 bilhões anuais, o comissariado decidirá, e está acabado.

No mundo dos medicamentos conhece-se a formação de monopólios por meio do jogo de patentes. É um processo odioso mas, bem ou mal, na sua origem houve algum tipo de pesquisa. O que se quer agora é a formação de um cartório de monopólios no qual se pesquisará apenas quem é amigo de quem.


Nota de C&T: O artigo 73 da MP 563 servirá apenas para direcionar o direito de fornecimento sem muita manobra, com isto menos pessoas serão envolvidas. Nos municípios brasileiros outras manobras são feitas sem precisar de MP. Faz muito tempo que nos governos das três esferas manobras são feitas para beneficiar determinados fornecedores, basta observar as coincidências de quem sempre ganha o direito de fornecer medicamento através de licitações aparentemente legais, sempre para mesmas instituições. Muda governo, muda os fornecedores. Faz sentido isso?

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