Relatório
da ONU aponta potencial de maus-tratos em unidades para pessoas com transtornos
mentais, inclusive no Rio
Profissionais de saúde sofrem limitações para cuidar de doentes
Profissionais de saúde sofrem limitações para cuidar de doentes
BRASÍLIA Hospitais de custódia usados para abrigar
pessoas com transtornos mentais e em conflito com a lei são potenciais espaços
de tortura, conforme constatação de um comitê da Organização das Nações Unidas
(ONU), a partir de visitas feitas no país. O Subcomitê de Prevenção da Tortura
(SPT), vinculado à ONU e com a participação do Brasil, concluiu um relatório
sobre a privação de liberdade em quatro estados e incluiu impressões sobre
instituições que deveriam oferecer tratamento psiquiátrico a loucos infratores.
O Centro de Tratamento em Dependência Química Roberto Medeiros, um dos três
manicômios judiciários em funcionamento no Rio de Janeiro, é citado no
relatório com apontamentos sobre tortura. O documento foi encaminhado à Casa
Civil e à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
O Roberto Medeiros fica no Complexo Penitenciário de Bangu e recebe
presos provisórios ou condenados, ainda sem a absolvição decretada em função do
transtorno mental. Boa parte dos detentos é dependente de drogas. Cerca de 90
pessoas estão na unidade. Concluído em 2012, o relatório do subcomitê da ONU
aponta a existência de “altas doses de medicamentos psicotrópicos ministradas a
95% dos pacientes”. “Eles tinham de manter suas cabeças abaixadas e as mãos
para trás quando caminhavam pela instituição. A equipe de saúde mental se
encontrava sob estresse, mal paga e sujeita à autoridade dos guardas da prisão.
O objetivo da instituição era punitivo, e não terapêutico”, conclui o
subcomitê, que pede a transferência dos dependentes químicos para um espaço
adequado.
Outra instituição visitada e citada no relatório do comitê da ONU é a
Unidade Experimental de Saúde, em São Paulo. O espaço abriga seis jovens que,
na adolescência, cometeram crimes graves com grande repercussão na mídia. O
Ministério Público pediu a internação compulsória dos seis jovens assim que
completaram 21 anos de idade. O organismo da ONU recomendou a desativação da
unidade, concebida exclusivamente para abrigar os seis internos e sob a
responsabilidade do governo de São Paulo. Para a ONU, a “liberação deve ser
compulsória aos 21 anos”.
Internações acima da pena máxima
São Paulo tem três manicômios judiciários, em Franco da Rocha e em
Taubaté. As unidades estão abarrotadas: são quase mil pessoas. E ainda existe
uma fila de 972 detentos ou ex-detentos aguardando vagas, segundo a Defensoria
Pública do estado. Funcionários dos manicômios relatam episódios de “tortura
psicológica” e de “excesso de medicação” nas unidades.
O GLOBO mostrou ontem que pelo menos 800 pessoas cumprem medida de
segurança em presídios, determinada após constatação do transtorno mental e
absolvição da Justiça. Nos manicômios judiciários ainda em funcionamento, a
realidade também é de cárcere e desrespeito à lei. Os hospitais de custódia
surgiram no Brasil na década de 20. Loucos infratores à espera de laudos ou em
cumprimento de medidas de segurança são encaminhados para essas unidades. Ainda
estão com as portas abertas 26 hospitais de custódia e alas de tratamento
psiquiátrico, onde estão internadas — ou presas — quase 4 mil pessoas com
transtornos mentais e em conflito com a lei.
Um censo sobre os manicômios, concluído no fim do ano passado pelo
Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e financiado pelo
Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, revelou
que 21% das pessoas estão internadas há um tempo superior ao de uma eventual
pena máxima pela infração cometida. Os hospitais de custódia contradizem a Lei
Antimanicomial, que prevê há 12 anos internações mínimas para loucos
infratores.
No Pará, um jovem de 20 anos com síndrome de Down ficou preso por três
meses e meio no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, depois de
peregrinar por quase um mês por cadeias públicas no interior do estado. Acusado
de estuprar a mãe, o rapaz foi levado para o manicômio por determinação
judicial. A Defensoria Pública do estado interveio e a Justiça determinou a
desinternação, no último mês de dezembro. Até agora, segundo a Defensoria
Pública, não foi expedido um laudo psiquiátrico.
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