segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Tortura e abandono em hospitais de custódia pelo Brasil

Relatório da ONU aponta potencial de maus-tratos em unidades para pessoas com transtornos mentais, inclusive no Rio

Profissionais de saúde sofrem limitações para cuidar de doentes

BRASÍLIA Hospitais de custódia usados para abrigar pessoas com transtornos mentais e em conflito com a lei são potenciais espaços de tortura, conforme constatação de um comitê da Organização das Nações Unidas (ONU), a partir de visitas feitas no país. O Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT), vinculado à ONU e com a participação do Brasil, concluiu um relatório sobre a privação de liberdade em quatro estados e incluiu impressões sobre instituições que deveriam oferecer tratamento psiquiátrico a loucos infratores. O Centro de Tratamento em Dependência Química Roberto Medeiros, um dos três manicômios judiciários em funcionamento no Rio de Janeiro, é citado no relatório com apontamentos sobre tortura. O documento foi encaminhado à Casa Civil e à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

O Roberto Medeiros fica no Complexo Penitenciário de Bangu e recebe presos provisórios ou condenados, ainda sem a absolvição decretada em função do transtorno mental. Boa parte dos detentos é dependente de drogas. Cerca de 90 pessoas estão na unidade. Concluído em 2012, o relatório do subcomitê da ONU aponta a existência de “altas doses de medicamentos psicotrópicos ministradas a 95% dos pacientes”. “Eles tinham de manter suas cabeças abaixadas e as mãos para trás quando caminhavam pela instituição. A equipe de saúde mental se encontrava sob estresse, mal paga e sujeita à autoridade dos guardas da prisão. O objetivo da instituição era punitivo, e não terapêutico”, conclui o subcomitê, que pede a transferência dos dependentes químicos para um espaço adequado.

Outra instituição visitada e citada no relatório do comitê da ONU é a Unidade Experimental de Saúde, em São Paulo. O espaço abriga seis jovens que, na adolescência, cometeram crimes graves com grande repercussão na mídia. O Ministério Público pediu a internação compulsória dos seis jovens assim que completaram 21 anos de idade. O organismo da ONU recomendou a desativação da unidade, concebida exclusivamente para abrigar os seis internos e sob a responsabilidade do governo de São Paulo. Para a ONU, a “liberação deve ser compulsória aos 21 anos”.

Internações acima da pena máxima

São Paulo tem três manicômios judiciários, em Franco da Rocha e em Taubaté. As unidades estão abarrotadas: são quase mil pessoas. E ainda existe uma fila de 972 detentos ou ex-detentos aguardando vagas, segundo a Defensoria Pública do estado. Funcionários dos manicômios relatam episódios de “tortura psicológica” e de “excesso de medicação” nas unidades.

O GLOBO mostrou ontem que pelo menos 800 pessoas cumprem medida de segurança em presídios, determinada após constatação do transtorno mental e absolvição da Justiça. Nos manicômios judiciários ainda em funcionamento, a realidade também é de cárcere e desrespeito à lei. Os hospitais de custódia surgiram no Brasil na década de 20. Loucos infratores à espera de laudos ou em cumprimento de medidas de segurança são encaminhados para essas unidades. Ainda estão com as portas abertas 26 hospitais de custódia e alas de tratamento psiquiátrico, onde estão internadas — ou presas — quase 4 mil pessoas com transtornos mentais e em conflito com a lei.

Um censo sobre os manicômios, concluído no fim do ano passado pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e financiado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, revelou que 21% das pessoas estão internadas há um tempo superior ao de uma eventual pena máxima pela infração cometida. Os hospitais de custódia contradizem a Lei Antimanicomial, que prevê há 12 anos internações mínimas para loucos infratores.

No Pará, um jovem de 20 anos com síndrome de Down ficou preso por três meses e meio no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, depois de peregrinar por quase um mês por cadeias públicas no interior do estado. Acusado de estuprar a mãe, o rapaz foi levado para o manicômio por determinação judicial. A Defensoria Pública do estado interveio e a Justiça determinou a desinternação, no último mês de dezembro. Até agora, segundo a Defensoria Pública, não foi expedido um laudo psiquiátrico.


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