quinta-feira, 11 de julho de 2013

Pacientes com doenças raras lutam até na Justiça pelo direito à saúde

08/07/2013 - 08:00
Extra

Neu-ro-fi-bro-ma-to-se. O contador Rogério Lima rodava em torno da palavra. Alessandra, sua mulher, havia telefonado pouco antes. Chorando.

- Disseram que a Maria Vitória tem 80% de chance de ter neurofibromatose.

- O que é isso?

- Não explicaram.

Era o primeiro diagnóstico que o casal recebia, após anos levando Maria Vitória a dermatologistas e pediatras. A menina, hoje com 6 anos, tinha 3 na época, e nascera com misteriosas manchas café com leite pelo corpo. Tinha dificuldade na fala e era mais agitada que os coleguinhas.

Aflito, Rogério ligou o computador. A internet esclareceria as dúvidas, pensou. Não podia ser nada ruim, não com a garotinha dele, cachos e rosto de anjo.

- O primeiro link apontava um site de bizarrices. Comecei a chorar.

Quando a família de Brasília foi ao Rio e fechou o diagnóstico, o choro veio mais forte. Não sabia o que aconteceria. Tudo era enigma. O oceano de interrogações em que Rogério e Alessandra submergiram até descobrir o que Vitória tinha é o mesmo que engole a maioria dos pacientes com doenças raras. Como o EXTRA mostrou ontem, cerca de 13 milhões de brasileiros sofrem dessas enfermidades, que atingem até 1,3 a cada 2.000 pessoas. Grande parte dos médicos não ouviu falar nem desconfia dos sintomas.

Diagnósticos errados proliferam no Sistema Único de Saúde (SUS), com prescrições para curar outras doenças — ou o negligente e cômodo “isso não tem jeito”.

Embora o SUS só tenha protocolos clínicos para 25 dessas enfermidades - sendo 12 por meio de remédios -, 381 doenças raras podem ser tratadas com algum tipo de medicamento, segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa. Não são remédios baratos, por serem produzidos para um círculo restrito de pacientes.

Porta fechada no SUS, janela aberta na Justiça, para garantir o direito de acesso à saúde. Segundo o estudo “Intervenção judicial na saúde pública”, compilação feita pelo Ministério da Saúde das ações judiciais que enfrentou em 2012, 86% dos gastos da pasta com remédios comprados por ordem judicial foram para esses pacientes. Só o Elaprase, solução injetável que retarda a mucopolissacaridose tipo II, consumiu R$ 73 milhões na Justiça - uma dose do remédio custa, em média, R$ 200 mil.

Na falta de uma política nacional que atenda pessoas com doenças raras - o governo federal promete lançá-la em outubro -, o empenho isolado de médicos e outros profissionais do SUS garante o atendimento. João Gabriel Daher atende como voluntário dezenas de pessoas, em quatro hospitais do Rio. Foi lá que conheceu o casal Cátia e Alexsander Benassi, de 40 e 41 anos, respectivamente.

Os dois têm doenças raras - ela é portadora do mesmo tipo de neurofibromatose que Maria Vitória e ele tem epidermólise bolhosa.

- Sempre acham que nos conhecemos em grupos de ajuda ou salas de espera — ri, alisando a perna do marido.

Não foi. Conheceram-se há 20 anos, em um baile de Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio em que moram. Os dois esconderam suas doenças. Os carocinhos de Cátia eram poucos, e Alexsander sabia camuflar bem suas bolhas. Tomaram coragem, contaram, casaram-se. Dos dois filhos, um tem neurofibromatose. No sofá de casa, um fala sobre a doença do outro. As dores são iguais.

- Ele me dá força, garra, incentivo. Me dá amor, mais forte que qualquer doença - conta Cátia.

Motivos da precariedade do atendimento

Distância: Hoje atendida por uma equipe que inclui até fonoaudiólogo, Maria Vitória vive bem, acompanhando cada manchinha. Mas só no Rio - a 1.162 quilômetros de casa - encontrou um especialista, o médico pesquisador João Gabriel Daher, do Serviço de Genética Clínica da UFRJ. “O Brasil tem poucos centros de referência. Pessoas de locais distantes, como Rondônia e Acre, ficam abandonados”.

Multidisciplinar: De acordo com o médico, faltam no Brasil centros que ofereçam cuidado integral ao paciente. Ele explica que a maioria dos tratamentos devem ser multidisciplinares, com médicos de diferentes especialidades, psicólogos, fonos e terapeutas.

Lá fora: Só Canadá, Estados Unidos, União Europeia e Japão têm políticas nacionais para pacientes de doenças raras

Nenhum comentário:

Postar um comentário