segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Médico no Zimbábue é pago com amendoim

Nota do C&T: Como é bom viver em um país como o Brasil, no período de 1999 a 2009, a quantidade de leitos nos hospitais públicos saltou de 143 mil para 152 mil. Mesmo sabendo que o Brasil não é um exemplo de país que respeita a vida através do modelo de gestão pública atual, basta visitar qualquer hospital público, principalmente aqueles que são “regionais de urgências” e recebem pacientes de diversos Municípios e Estados que podemos confirmar o sofrimento de milhares de brasileiros desassistidos, mas estamos longe de chegarmos ao caos de outras nações.

Por CELIA W. DUGGER
“ CHIDAMOYO, Zimbábue - Carregando galinhas magras, cabras e baldes de milho, pessoas faziam fila na varanda do hospital da missão americana em Chidamoyo, buscando consultas médicas e remédios para serem trocados por seus produtos. Mas a maioria delas chegava carregando sacos de amendoim na cabeça.
A grande capela do hospital está cheia de algo que parece uma enorme duna de areia de amendoim com casca. O hospital converte os amendoins em manteiga de amendoim que é misturada ao mingau servido aos pacientes pela manhã, passada sobre seus lanches à tarde e, na hora do jantar, derretida e misturada com as verduras.
"Estamos literalmente prestando serviços médicos em troca de amendoins!", exclamou a enfermeira californiana Kathy McCarty, que administra este hospital rural, situado a 56 quilômetros da estrada asfaltada mais próxima, desde 1981.
Assim como fizeram inúmeros zimbabuanos, o hospital passou a praticar o escambo em 2008, quando a inflação chegou ao nível mais alto -500.000.000.000%-, tornando sem valor até mesmo cédulas de trilhões e levando os sistemas de saúde e educação à derrocada vertiginosa.
Desde então, após anos de declínio sob a direção do presidente Robert Mugabe, foi formado um governo de partilha do poder, e a economia foi estabilizada. No ano passado, o Zimbábue abandonou sua moeda própria, substituindo-a pelo dólar americano, e a inflação caiu para módicos 3,6%.
Mas um relatório das Nações Unidas dá um indício do longo caminho que o Zimbábue tem pela frente. O país ainda é mais pobre que qualquer um dos 183 países sobre os quais a ONU dispõe de dados relativos à renda.
Para muitos zimbabuanos da zona rural, o dinheiro ainda é algo tão escasso que o Hospital Cristão Chidamoyo, com 85 leitos, continua a permitir que seus pacientes paguem pelo atendimento pelo sistema de permuta. "É muito difícil conseguir esse famoso dólar do qual as pessoas estão falando", disse Esther Chirasasa, 30, que caminhou 12 quilômetros para buscar tratamento para a artrite que a deixa debilitada. Seu filho, Cain, 13, carregou um saco de amendoim para pagar pelo atendimento dela.
Uma pesquisa feita em maio com mais de 4.000 famílias rurais, com uma média de seis pessoas em cada, constatou que elas gastaram em média apenas US$ 8 para todas as suas necessidades em abril. No último quarto de século, a expectativa de vida no Zimbábue, atingido pela Aids e pela miséria, caiu de 61 para 47 anos.
Os pacientes contribuem com produtos agrícolas que cultivam e os animais que criam, e o hospital cuida dos seus ferimentos, trata suas doenças e faz os partos das mulheres. Seus dois médicos e 15 enfermeiros atendem 6.000 pacientes por mês e fornecem medicamentos a 2.000 aidéticos.
O hospital recebe apoio do governo, ele próprio necessitado de receita. Além disso, recebe até US$ 10 mil mensais de igrejas americanas e britânicas. O hospital cobra US$ 1 -ou um quarto de balde de amendoim- por consulta médica. Os hospitais do governo cobram US$ 4 a consulta e só aceitam dinheiro. A regra no hospital é praticar a frugalidade extrema.
Os funcionários esterilizam luvas de borracha com vapor para reutilizá-las e tiram as bolas de algodão de milhares de vidros de comprimidos, usando-as para desinfetar os braços dos pacientes antes de aplicar injeções.
Mas existem limites. Durante a maior parte de 2009, o hospital não teve dinheiro para abastecer-se de sangue. McCarty contou que mulheres com hemorragias pós-parto ou com gravidezes ectópicas rotas foram enviadas a hospitais maiores, mas que também não tinham estoques de sangue. Oito mulheres morreram. Pouco tempo atrás, a ONU começou a pagar por sangue.
Falando ao lado de uma mulher anestesiada, prestes a ser submetida a uma cesárea, o médico Vernon Murenje recorda como era assustador operar sem contar com estoque de sangue. "Você está operando e, ao mesmo tempo, pensando 'e se ocorrer uma perda sanguínea importante?'."
Fonte Folha de São Paulo.

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