quarta-feira, 7 de maio de 2014

Para onde vai a indústria farmacêutica?

06/05/2014 - 08:19
Há anos que as grandes empresas farmacêuticas não viviam uma situação como esta: contratos multimilionários e rumores de que estão na calha novos negócios que envolvem montantes ainda mais altos mergulharam a indústria numa roda-viva, escreve o Financial Times, citado pelo Diário Económico.

Do ‘swap' de activos no valor de 20 mil milhões de dólares (14,5 mil milhões de euros) entre a Novartis e a GlaxoSmithKline à oferta hostil na casa dos 50 mil milhões de dólares (36 mil milhões de euros) sobre a Allergan, a empresa que fabrica o Botox, passando pela especulação em torno de uma proposta da Pfizer à AstraZeneca na ordem do bilião de dólares, a verdade é que os banqueiros de investimento têm feito a festa à custa dos lucros farmacêuticos.

As diferenças entre os três casos são grandes, mas no conjunto transmitem a imagem de uma indústria dinâmica numa altura em que procura identificar um novo modelo de crescimento após uma década perdida. Por um lado, devido ao vencimento de muitas licenças de patentes, por outro, pelas sucessivas más escolhas no que respeita ao desenvolvimento de novos medicamentos. Mas há fortes indícios de que as coisas estão a mudar. A Gilead Sciences, uma das empresas de biotecnologia de maior e mais rápido crescimento nos EUA, é também um dos exemplos mais gritantes daquilo que está a mudar na indústria farmacêutica e biotecnológica.

O novo medicamento da Gilead para a hepatite C, o Sovaldi, cuja taxa de sucesso na cura do cancro do fígado ascende aos 95%, registou vendas no valor de 2,3 mil milhões de dólares (1,65 mil milhões de euros) só no primeiro trimestre do ano. Os analistas estimam que possa atingir os 10 mil milhões de dólares (7,2 mil milhões de euros) no primeiro ano de vendas, o que lhe valeria o título de medicamento mais bem-sucedido no ano de lançamento.

A reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO, na sigla inglesa), que terá lugar este mês em Chicago, vai seguramente trazer novidades. Grandes farmacêuticas como a Roche, Merck e Bristol-Myers Squibb vão aproveitar a ocasião para revelar os dados mais recentes dos testes a uma nova classe de medicamentos que utiliza o sistema imunitário para detectar e destruir células cancerígenas.


Novo paradigma no tratamento do cancro.
Os primeiros resultados apontam para a possibilidade de as pessoas que sofrem de cancro de pele ou do pulmão em estado avançado poderem viver mais tempo, meses ou mesmo anos, do que o inicialmente esperado. Os analistas comparam a imunoterapia - que talvez venha a revelar-se o novo paradigma no tratamento do cancro - aos medicamentos criados para tratar as pessoas infectadas com o VIH, que fizeram com que a Sida deixasse de ser uma sentença de morte para tornar-se numa doença crónica.
Haverá também novos avanços à medida que as farmacêuticas decifrarem novos dados na sequenciação do ADN humano para desenvolverem tratamentos mais "personalizados" para nichos de pacientes. O número de fármacos aprovados pela US Food and Drug Administration (FDA) - principal referência da produtividade em termos de I&D - tem vindo a crescer paulatinamente desde 2010. Segundo dados do banco Berenberg foram aprovados 27 novos medicamentos no ano passado. Prevê-se que possam gerar vendas anuais na ordem dos 40 mil milhões de dólares (28,8 mil milhões de euros) nos próximos cinco anos, isto é, o dobro do valor estimado para 2012.

As grandes farmacêuticas e respectivos accionistas não são os únicos que contam com uma nova geração de fármacos. A sociedade, no geral, também tem interesse nos êxitos da indústria, visto a confluência da economia e da demografia resultar num maior número de doenças.
Nos mercados emergentes, a riqueza e a urbanização - a par de estilos de vida mais sedentários e dietas alimentares menos saudáveis - trazem consigo uma potencial vaga de doenças crónicas como a diabetes. Nos países desenvolvidos, o rápido envelhecimento da população é um desafio que precisa de respostas. "Cada vez vamos ter mais necessidade de novos medicamentos para tratar doenças como o Alzheimer, a diabetes e o cancro, cujo risco cresce exponencialmente depois dos 65 anos. Se não encontrarmos uma solução para o Alzheimer nos próximos 20 anos, as sociedades terão encargos financeiros brutais", alerta Chas Bountra, professor de medicina trans¬lacional em Oxford.

Os custos do envelhecimento populacional
Mas nem tudo são boas notícias para as grandes farmacêuticas. Os crescentes custos com as doenças vão colocar as finanças públicas sob forte pressão, tendo em conta que essas despesas actualmente já consomem 80% do orçamento da saúde na UE para o tratamento de doenças crónicas. Enquanto os governos tentam controlar os custos, as empresas procuram conter a subida dos preços para conseguirem financiar a investigação, desenvolvimento e colocação no mercado de novos fármacos, processo que estimam custar, em média, mil milhões de dólares.
Além das dificuldades financeiras dos governos e dos fornecedores de cuidados de saúde, as farmacêuticas terão igualmente de fazer frente às pressões dos accionistas. Para a GlaxoSmithKline isso significa que terá de justificar os 4 mil milhões de dólares (2,9 mil milhões de euros) que investe anualmente em I&D quando algumas empresas da indústria optaram por seguir um caminho muito diferente. A canadiana Valeant, por exemplo, ofereceu 45,6 mil milhões de dólares (32,8 mil milhões de euros) pela Allergan, a empresa que fabrica o Botox, e apostou numa série de aquisições alavancadas seguidas de cortes agressivos na I&D.

Os críticos dizem que esta estratégia pode fragilizar o pacto social que existe entre a sociedade e as empresas a quem foi confiada a missão de transformar a ciência médica em tratamentos que salvam vidas em troca de lucro. No entanto, até quem defende uma abordagem mais virada para a investigação intensiva concorda que as grandes farmacêuticas devem ser mais eficientes. "A indústria ainda funciona pela lógica do ‘campeão de vendas' ao passo que a inovação está a transitar para um novo modelo. A ideia não é vender medicamentos como pãezinhos quentes", realça Richard Bergström, director-geral da Federação Europeia da Indústria Farmacêutica (EFPIA).

Para responder a estes desafios, a indústria decidiu reduzir os custos fixos através do ‘outsourcing' da investigação e comprar ou licenciar descobertas promissoras de pequenas empresas na área da biotecnologia. Nas próximas semanas vamos ficar a saber se as grandes farmacêuticas ainda estão à altura da sua missão, isto é, se a imunoterapia passou nos últimos testes.

Artigo originalmente publicado no Financial Times a 30 de Abril



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Artigo extraído de: http://www.rcmpharma.com/actualidade/industria-farmaceutica/06-05-14/para-onde-vai-industria-farmaceutica

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