sábado, 19 de janeiro de 2013

O remédio genérico virou doença para os laboratórios


Os genéricos eram a salvação dos laboratórios brasileiros e das multinacionais que cresciam no país. Mas o que era solução passou a ser um baita problema

São Paulo - A vida melhorou para muita gente depois que caiu a patente sobre o citrato de sildenafila — o princípio ativo do Viagra, remédio para disfunção erétil lançado pelo laboratório americano Pfizer em 1998. Em questão de dias, o remédio ficou muito mais barato. Em julho de 2010, a uma semana de perder a exclusividade, a Pfizer cortou seu preço de 30 para 15 reais por comprimido.

Em seguida, os primeiros genéricos chegaram ao mercado a 10 reais, e o preço não parou mais de cair. Desde então, as vendas do citrato de sildenafila saltaram do patamar de 2 milhões para 30 milhões de unidades anuais em 2012 — o equivalente a meio bilhão de reais, segundo levantamento da consultoria IMS Health.

Com a concorrência de cinco laboratórios de genéricos nesse mercado, além dos outros quatro que já produziam medicamentos semelhantes, o cenário está uma maravilha para quem precisa de um Viagra de vez em quando. Hoje, o comprimido chega a ser vendido às drogarias por menos de 1 real e ao consumidor final por 4 reais. Para quem fabrica, no entanto, o excesso de competição criou uma nova realidade — as margens são tão baixas que é impossível, hoje, ganhar dinheiro produzindo o genérico do Viagra.

O que aconteceu após a queda da patente do Viagra de certa forma sintetiza o momento vivido pelo mercado de genéricos nos últimos anos. Criados em 1999, como uma política para aumentar a oferta de medicamentos baratos à população, os genéricos foram os grandes responsáveis por impulsionar a indústria farmacêutica nacional.
Com as patentes liberadas, os laboratórios brasileiros passaram a ter produtos competitivos, o que permitiu ampliar fábricas, dominar os canais de distribuição e vender para uma classe média com mais dinheiro no bolso. De coadjuvantes, tornaram-se protagonistas — e o maior alvo do interesse de multinacionais. Em 2009, a francesa Sanofi comprou a paulista Medley, então líder do mercado de genéricos, por 1,5 bilhão de reais.

No ano seguinte, a Pfizer adquiriu a goiana Teuto, e a brasileira Hypermarcas comprou a Mantecorp por 2,5 bilhões de reais. Os genéricos eram o remédio para impulsionar as vendas e, no caso das múltis, driblar as adversidades que se anunciavam com a queda das patentes de medicamentos como o Viagra e o anticolesterol Lípitor, o remédio mais vendido no mundo. O resultado foi um aumento brutal da concorrência — qualquer uma das cinco moléculas de genérico mais vendidas hoje tem pelo menos cinco concorrentes idênticos.

As vendas, é verdade, dispararam. Mas os preços foram ao chão. "O modelo de negócios dos genéricos no Brasil está muito próximo do limite do que é sustentável", afirma Douglas Woods, especialista em indústria farmacêutica da consultoria Boston Consulting Group. 

Como o vento contrário pega primeiro quem puxa o comboio, a líder Medley tem sido especialmente atingida. O ano de 2012 foi péssimo para a empresa, que trocou de presidente em outubro. Segundo executivos do setor, o que atinge a Medley é o clássico problema do líder que tenta manter seu posto a qualquer preço. Assim como as concorrentes, a Medley é obrigada por lei a dar nos medicamentos genéricos um desconto de 35% em relação ao produto de marca.

Na guerra de preços, no entanto, não é raro esses cortes chegarem ao dobro disso. Para continuar líder, a Medley passou nos últimos anos muito além desse limite, dando descontos de 85% ou 90% para as grandes farmácias. Consequentemente, sobrou pouco espaço para o lucro — que não é divulgado. Estima-se que a margem operacional tenha caído à metade nos últimos três anos. Em maio do ano passado, a Sanofi decidiu agir para reverter a queda.

Segundo executivos de drogarias e distribuidoras, as principais medidas foram a determinação de um teto de desconto de 75% e a análise das condições de venda caso a caso, em vez de aplicar um mesmo desconto a todo o portfólio, como chegou a ocorrer no passado. Em junho, o diretor comercial, Milton Spinelli, foi substituído. Em outubro, o presidente, Decio Decaro, deixou a empresa e o cargo foi ocupado interinamente pelo vice-presidente da Sanofi na América Latina, Heraldo Marchezini.

As mudanças comerciais causaram uma crise na relação com o varejo — que estava, obviamente, adorando a guerra de preços entre as farmacêuticas. Grandes redes, como Raia Drogasil e Drogaria São Paulo Pacheco, que concentram 75% das vendas da Medley, não aceitaram a nova política comercial, e a empresa foi obrigada a voltar atrás.

No pequeno varejo, a queda nos descontos acabou fazendo com que os produtos fossem simplesmente trocados por medicamentos semelhantes da concorrência. Assim, a participação de mercado da Medley em genéricos caiu de 31% para 26% nos 12 meses até novembro — a maior queda do mercado. "Em 2012, priorizamos a rentabilidade, enquanto alguns concorrentes se tornaram mais agressivos", afirma Valdomiro Rodrigues, novo diretor comercial da Medley.

Crescimento menor
Como sair dessa armadilha? Rodrigues diz que a Medley pretende ampliar as vendas em mercados menos concorridos que São Paulo e Rio de Janeiro. No ano passado, ampliou de três para 15 as parcerias com distribuidores das re­giões Centro-Oeste e Norte. Em fevereiro, o executivo Wilson Borges, que está de saída do comando da operação local da farmacêutica italiana Zambon, assumirá a Medley. Será o terceiro presidente desde a aquisição pelos franceses.

Para a Sanofi, a urgência para reverter a situação no Brasil é grande. Em 2012, a empresa perdeu a patente de três campeões de vendas nos Estados Unidos, entre eles o anticoagulante Plavix, até então o segundo medicamento  mais vendido no mundo. "A companhia dependerá ainda mais das operações nos mercados emergentes", afirma Mark­ Dainty, chefe da equipe de análise de mercado farmacêutico do Citi na Inglaterra.
Como mostra a queda de participação de mercado no ano passado, a Medley está pagando o preço de ter sido a primeira a fazer os cortes nos descontos. A questão é: até quando os concorrentes vão aguentar do jeito que estão? Além de ter se tornado viciado em descontos de quase 90%, o mercado de genéricos já não cresce tanto quanto no passado recente. No terceiro trimestre de 2012, a expansão nas vendas foi de 16%, a menor desde a crise de 2008.

Vale lembrar que as estatísticas oficiais do setor consideram as vendas pelo preço de tabela, ou seja, sem incluir na conta os descontos. O número real, portanto, é muito menor. Para complicar um pouco mais as coisas,  os custos continuam aumentando. Segundo levantamento do sindicato das indústrias, o aumento dos custos de mão de obra do setor foi duas vezes maior que a inflação nos últimos cinco anos e deve seguir essa tendência no futuro. Como reverter essa situação? É um remédio que as farmacêuticas estão procurando, mas ainda não acharam. 


Um comentário:

  1. Não consigo entender a lógica que trata os genéricos como um mal para Indústria. Realmente os preços ficaram bastante competitivos e as indústrias de marcas famosas tiveram que se movimentarem, do contrário muitas marcas valiosas sumiriam do mercado. Tem um detalhe, grandes marcas vendiam sem investir em marketing, com a chegada dos genéricos a população ganhou a oportunidade de comprar grandes produtos por preços menores, mas as indústrias de genéricos estão ganhando muito dinheiro, mesmo com os preços menores, os investimentos de trademarketing são reduzidos se comparados aos investimentos em marcas. A população procura pelo mais barato diretamente na farmácia sem precisar que o médico prescreva ou o balconista faça esforços para substituir as prescrições. Não acredito em perdas se as políticas de descontos comerciais em favor dos distribuidores e varejo continuam tão agressivas. Como pode perder se comercializam produtos com até 90% de descontos? Não há perdas, o que ocorre é uma mudança de comportamento do mercado e principalmente uma ameaça à zona de conforto típica do mercado brasileiro até então.

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