quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Falta de conhecimentos, valores e uma forte cultura negativa da automedicação acompanham os brasileiros a séculos...

Obesos usam até droga para diabetes
Na luta para o emagrecimento parece que tudo vale a pena. Paraibanos estão utilizando medicamentos para diabetes e depressão para perder peso. Médicos alertam que o consumo indiscriminado dessas substâncias pode causar dependência, além de uma série de problemas como pancreatite, gastrite e o vício em outras drogas. Até mesmo os medicamentos que foram desenvolvidos para combater a obesidade provocam graves reações e têm eficácia duvidosa. Por isso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pretende definir, ainda este mês, se vai suspender a fabricação e comercialização dos inibidores de apetite.

Lançada há menos de quatro meses no Brasil, a liraglutida, com nome comercial de Victoza, foi desenvolvida para tratar a diabetes do tipo 2. No entanto, pacientes que tomaram o medicamento relataram que perderam peso durante o tratamento. De olho nesse resultado, os paraibanos que não têm diabetes já partiram em busca dessa substância ignorando a verdadeira indicação do medicamento.

Por conta dessa procura indiscriminada, a Anvisa alertou que a liraglutida não é indicada para emagrecimento, mas sim, para atingir o controle glicêmico em pacientes adultos com diabetes. Além disso, por ser um medicamento novo, a própria bula alerta que, “mesmo que indicado e utilizado corretamente, podem ocorrer eventos adversos imprevisíveis ou desconhecidos”.

Já o fluoxetina foi desenvolvido para tratamento de depressão e síndrome do pânico, mas também teve sua indicação ignorada por quem acredita que a tranquilidade proporcionada pela substância evita os excessos da gula. Mesmo sabendo dos efeitos colaterais, a fisioterapeuta Daniela Soares decidiu tomar o remédio e quis chegar no dia do casamento em forma. Ontem, ela se casou como queria, quinze quilos a menos.

“Sempre sofri com mudanças de peso. E com os estresses do dia a dia não conseguia perder. Foi aí que comecei a tomar fluoxetina com Dualid (um dos que a Anvisa pretende tirar do mercado). Comecei a tomar no final de fevereiro e ele me deixa bem mais tranquila, tira a ansiedade e fico sem fome. Vejo a comida de outro jeito”, relatou a fisioterapeuta Daniela Soares. Ela tem 1,78 metro e tinha 95 quilos. Hoje com 80 quilos, ela relatou que pretende perder apenas mais dois e deixar de lado as substâncias que usou. Preocupada com a dependência, ela disse que já começou a alternar a ingestão. “Estou fazendo o desmame. Quando comecei a tomar sabia que causava dependência, mas queria muito entrar em forma e estou satisfeita”, disse.

Anvisa pode proibir anfetaminas

Casos de arritmia cardíaca, hipertensão pulmonar, euforia, irritabilidade, delírios, além de riscos de infarto e acidente vascular encefálico, são alguns dos efeitos colaterais causados pelos inibidores de apetite. Por causa desses problemas que podem levar até a morte do paciente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pode proibir a comercialização dessas drogas ainda este mês.

A Agência quer cancelar o registro dos medicamentos que contém sibutramina e dos três anorexígenos anfetamínicos (anfepramona, femproporex e mazindol). De acordo com a assessoria de Comunicação do órgão, em duas semanas a diretoria vai analisar o relatório técnico que pede a retirada dos produtos do mercado. Caso seja definido o cancelamento dos produtos, eles podem ser retirados das prateleiras das farmácias imediatamente.

Para o diretor de medicamentos da Agência Estadual de Vigilância Sanitária (Agevisa), Jailson Vilberto, as anfetaminas não conseguem garantir resultados satisfatórios. “Além de trazer reações adversas, o usuário não tem a finalidade cumprida. Eles perdem peso, mas quando param de tomar tem o chamado efeito rebote e ganham o que perdeu e mais um pouco”, afirmou.

Para ele todos os medicamentos têm o fator risco/benefício e, no caso dos inibidores de apetite, muitas vezes os riscos são maiores. “Uma pessoa com obesidade mórbida, para ela todo tipo de atividade vale a pena. Mas uma pessoa mais saudável os riscos são maiores que os benefícios. Os endocrinologistas são contra porque boa parte das consultas é para perda de peso. A gente observa em pano de fundo que se houver proibição haverá perda financeira para clínicas de endocrinologia”, explicou Jailson Vilberto.

A estudante universitária Janaciara Fontes tomou sibutramina e conseguiu perder três quilos em 15 dias. No entanto, os quilos a mais voltaram e ela confessa que só não compra porque o medicamento não vende mais sem prescrição médica. “Não mudei nada na alimentação e perdi peso. senti dor de cabeça, mas não tive muitos problemas. Acho que foi porque tomei por pouco tempo. Por mim, tomaria de novo porque estou com 70 quilos e queria voltar para os 63”, relatou.

“Sibutramina é arma contra obesidade”

Os inibidores de apetite são uma arma para quem está com sobrepeso ou obesidade. É o que defende o endocrinologista João Modesto. “A discussão é retirar ou não. Se retirar ficará um vazio para tratar um obeso. A sibutramina é uma boa arma quando bem indicada. Sou contra a retirada de todos. Existem pessoas que se beneficiam e muito”, afirmou.

Segundo o médico, permitir a comercialização de um deles não significa que todos podem tomar. Ele deve ser indicado para quem tem sobrepeso e não para os que têm passado de vício ou problemas cardíacos. “Tem que avaliar cada caso”, frisou. O médico alerta que o mau uso dessas substâncias pode provocar ação no sistema nervoso central e alguns indivíduos ficam dependentes. Segundo ele, todos os cuidados devem ser tomados para que a perda de peso não seja acompanhada de efeitos colaterais.

De acordo com o endocrinologista João Modesto, quando os medicamentos são utilizados precisam de uma mudança no estilo de vida do paciente. Combater o sedentarismo e mudar os hábitos saudáveis são fundamentais no processo de perda de peso seguro.

Drogas por seu nome

Sibutramina

Indicação: Promove o aumento da saciedade. Resultados: Estudos demonstraram que a redução de massa corporal promovida pela sibutramina é em torno de cinco quilos entre 12 e 52 semanas. Reação: Entre os efeitos colaterais estão o aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca. Está associada à ocorrência de infarto do miocárdio e de acidente vascular encefálico. Eficácia: medicamento não foi efetivo em 70% dos tratamentos.

Femproporex

Indicação. Indicado como adjuvante no tratamento da obesidade moderada a grave. Reações. as mais comuns são a inquietude, nervosismo, irritabilidade, insônia, agressividade, psicose, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de ansiedade generalizada e pânico. Existem relatos de morte com uso de apenas 1,5 miligrama por quilo. Eficácia. não constam relatórios de estudos clínicos realizados com o medicamento que comprovem eficácia.

Mazindol

Indicação. Promove supressão do apetite pela redução da ingestão alimentar. Resultado. Reduz peso em curto prazo, mas não existem estudos clínicos que comprovem a eficácia do produto. Reação. Causa insônia, constipação, nervosismo, tontura e cefaléia. Também pode apresentar efeitos cardiovasculares como taquicardia, palpitações e elevação da pressão arterial. Eficácia. Dados das publicações feitas ainda são insuficientes para avaliação dão resultado do medicamento.

Anfepramona

Reações. arritmia cardíaca, isquemia cerebral, acidente cerebrovascular, dependência, leucemia, hipertensão pulmonar primária e distúrbios psicóticos. Riscos. Mesmo em doses terapêuticas (75 mg) ocorrem casos de euforia, irritabilidade, inquietação, delírios e surtos de esquizofrenia. Eficácia. Estudos clínicos publicados não comprovaram sua eficácia no tratamento da obesidade.

Uso inadequado de drogas é risco

O total de reações que podem ser provocadas com a utilização de medicamentos para perder peso, mas que têm outras indicações ainda é incerto. Ainda novos no mercado e com outras finalidades de tratamento, médicos temem a prescrição e condenam a automedicação.

De acordo com o endocrinologista João Modesto, desde que a liraglutida foi lançada, muitos paraibanos procuraram o consultório querendo adquirir o medicamento. Ele disse que alguns de seus pacientes já estão tomando, mas apenas os que possuem diabetes. Segundo ele, ainda é recente a utilização, mas que a redução de peso observada não corresponde ao alarde que foi criado em torno da substância.

Para o diretor de medicamentos da Agência Estadual de Vigilância Sanitária (Agevisa), Jailson Vilberto, todas as substâncias que estão no mercado com aprovação do registro não podem ser condenadas. Para ele, o que deve ser condenado e combatido é o uso indiscriminado que foge da indicação do remédio.

“Estamos num mercado carente de medicamentos novos e as pessoas são desinformadas e acabam adaptando outros medicamentos. Vivemos num país de culto ao corpo, um embelezamento a qualquer custo. Surgiu esse medicamento para diabetes, as pessoas verificaram que ocorre uma perda de peso ao tomar e acham que é um milagre. Mas ainda está se fazendo ensaios clínicos para se saber e já foi verificado que causa problemas de pancreatite”, afirmou.

Ele explicou que mesmo aprovado para ser comercializado no Brasil, o medicamento ainda precisa de uma série de ensaios que são realizados numa situação pós-registro. Segundo ele, a vigilância sanitária faz um monitoramento e depois apresenta um relatório dos efeitos e reações na fase de testes.

Segundo ele, outro risco de as pessoas consumirem remédios para diabetes e antidepressivos é que as bulas dos remédios não são detalhadas o suficiente e falta assistência na hora de adquirir o remédio. “Existe uma assistência farmacêutica deficiente, raramente tem um farmacêutico que oriente sobre as reações. Se pega uma bula no Brasil e pega a do mesmo medicamento em outro país, tem dez vezes mais informações.

Estilo de vida deve mudar

Mas, para a fisioterapeuta Daniela Soares, o importante ao utilizar uma dessas substâncias é fazer um planejamento adequado e ter uma mudança no estilo de vida que promovam uma redução de peso segura. Sem isso, ela acredita que será uma medicação tomada de forma errada. Para ela, o desafio agora será ir retirando a medicação e manter a dieta.

“Não adianta só tomar remédio. Ele inibe a vontade de comer e é uma oportunidade de ir adaptando a alimentação. Ainda não tive reações ruins do medicamento e é bom planejar o momento de ir parando sem retomar a vontade de querer comer tudo sem limites. Durante esse tempo de medicação associei dieta e entrei na academia. Acredito que cumpri uma meta boa e hoje me sinto mais mulher, mais segura e mais firme. Como vou exagerar um pouco na comida nesses dias de festa e lua de mel, ainda vou tomar o remédio, mas depois vou parando”, relatou.

Para o presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM), João Medeiros, os médicos devem se basear na fundamentação específica dos medicamentos para diabetes e antidepressivos porque eles podem causar efeitos inesperados em pacientes que não precisam dessas substâncias.

“É preciso que tanto os médicos quanto os pacientes se baseiem na fundamentação científica e sigam a orientação técnica dos produtos. Um medicamento não adequado pode sim causar prejuízos à saúde”, afirmou João Medeiros.

70% apoia retirada de anorexígenos

Mais de 70% da população apóia a retirada de dos anorexígenos do mercado e apóia os questionamentos feitos pela Anvisa. Foi o que mostrou uma pesquisa feita pela GfKResearch no primeiro semestre deste ano. Para 93%, esses medicamentos podem causar riscos à saúde.

O estudo ouviu mil pessoas, com idade mínima de 18 anos, por telefone, em vários estados do país. Os resultados divulgados mostram ainda que na faixa etária acima dos 56 anos estão os que mais concordam com a restrição a venda dos anorexígenos, 79%.

Entre aqueles que têm entre 25 e 34 anos, estão os que manifestaram uma resistência comparativamente menor em relação à venda destes medicamentos, 68%. A média ficou em 74% de opiniões favoráveis à retirada desses produtos do mercado.

O levantamento também mostrou que as mulheres entrevistadas são mais adeptas do regime alimentar (22%) do que os homens (14%). Na opinião de 79%, praticar exercícios físicos é o que mais funciona para perder peso.


Jornal Correio

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