ALEXANDRE GONÇALVES - Agência Estado
O Instituto Nacional de Câncer (Inca) realizou o primeiro teste clínico
oncológico de fase 3 sem a coordenação da indústria. Participaram do estudo
mais oito centros de pesquisa. Os autores consideram o trabalho um marco na
avaliação independente de terapias para câncer no País.
Os cientistas queriam descobrir se a administração de dois medicamentos
(pemetrexed e carboplatina) poderia aumentar a expectativa de vida de pacientes
com uma forma de câncer de pulmão avançado. "Hoje, a maioria das pessoas
que chegam nessas condições não recebe terapia, pois o benefício ainda não foi
comprovado", diz Carlos Gil, chefe da Pesquisa Clínica e Incorporação
Tecnológica do Inca.
O trabalho, divulgado no último congresso da Sociedade Americana de
Oncologia Clínica, mostrou que o remédio aumenta a expectativa de vida em três
meses. "Agora precisamos ver se ele é custo-efetivo (se é possível
incluí-lo no rol de terapias aprovadas para o SUS)", aponta Gil.
Mais importante que o resultado clínico é o pioneirismo da iniciativa,
apontam os pesquisadores. Na conclusão do estudo, eles dizem que o "teste
demonstra a viabilidade de um mecanismo independente para conduzir testes de
câncer e representa uma mudança de paradigma em pesquisa clínica na América
Latina".
Segundo o banco de dados do clinicaltrials.gov - mantido pelo governo
americano -, 24 testes clínicos de fase 3 para câncer estão recrutando
voluntários no Brasil. Todos realizados pela indústria farmacêutica.
Dificuldades
Cerca de 60% dos pacientes incluídos no estudo eram atendidos no Inca. A
distribuição desigual revela a principal dificuldade para realizar estudos sem
o apoio da indústria. "A maioria dos centros de pesquisa nas universidades
escolhe trabalhar sob a coordenação da indústria para ter acesso à estrutura e
aos recursos necessários para realizar os testes", afirma Gil. Por isso,
estudos independentes não costumam atrair interesse.
"Há também um problema cultural: muitos grupos em universidades têm
dificuldade para realizar parcerias, algo essencial para pesquisas assim.
Querem garantir uma visibilidade que cai quando você faz trabalhos em uma rede
de pesquisa."
"O estudo parece promissor", afirma Álvaro Atallah, presidente
da Cochrane do Brasil, principal banco de revisões sistemáticas em medicina.
Mas ele pondera que os medicamentos ainda foram fornecidos pela indústria
farmacêutica Eli Lilly (embora ela não tenha participado do desenho do estudo).
Ele defende que todos os estudos clínicos sejam realizados por entidades
independentes. O dinheiro seria pago pela indústria a uma agência que
contrataria os responsáveis por conduzir os testes, sem contato - direto ou
indireto - com a indústria.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica, João
Massud Filho, deixar os testes a cargo de uma agência governamental não resolve
o problema. "Uma pesquisa clínica bem feita independe de quem está
financiando", diz. "O importante é garantir a transparência e o
tratamento ético dos sujeitos de pesquisa." Ele admite que pode haver, em
algumas situações, o interesse de limitar a divulgação dos resultados.
"Mas dá para resolver esse problema com uma lei que garanta transparência
na divulgação dos dados."
Taxas
José Ruben de Alcântara Bonfim, coordenador executivo da Sociedade
Brasileira de Vigilância de Medicamentos, acredita que nem mesmo as agências
reguladoras deveriam cobrar taxas da indústria para avaliar suas propostas de
novos medicamentos. E cita como exemplo a nova agência francesa de vigilância farmacológica
- a ANSM. Seu orçamento para avaliar a viabilidade de novos medicamentos -
cerca de 140 milhões de euros (R$ 355 milhões) - virá exclusivamente dos cofres
do Estado. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-faz-1-teste-para-cancer-sem-a-industria,898256,0.htm
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