Nota de C&T:
Os resultados de uma crise econômica são catastróficos. Quem poderia imaginar que a maior potencia econômica do mundo viveria dias como está vivendo.
Para nós brasileiros, a falta de atenção com a saúde mental da parte do poder público não é nenhuma novidade, bastamos avaliar quantas unidades de serviços psiquiátricos fecharam suas portas nos últimos 20 anos e tantas outras que ainda se mantém abertas muito mais por abnegação de profissionais do que por condições econômicas suficientes.
Após tiroteio em Tucson, cortes nos serviços de saúde mental ficam sob escrutínio
Marc Lacey
Em Tucson, Arizona (EUA)
Diferente de outros governadores, Jan Brewer do Arizona conhece muito bem o funcionamento do sistema de saúde mental de seu Estado: seu filho tem esquizofrenia e está internado em um hospital para doentes mentais há mais de 20 anos, após ter sido declarado não culpado, por motivo de insanidade, de ataque sexual e sequestro.
Apesar de raramente falar sobre a crise de seu filho, Brewer defende há muito tempo o sistema de saúde mental, lutando sempre por dinheiro do Estado para medicamentos e programas comunitários.
Mas com o Arizona e outros Estados por todo o país enfrentando grande déficits orçamentários, Brewer e muitos outros governadores de ambos os partidos estão presidindo o que está sendo descrito como um desmanche da rede de segurança para as pessoas com doenças mentais.
Os cortes, denunciados por ativistas, estão ganhando novo escrutínio após o massacre ocorrido aqui em 8 de janeiro, que resultou em seis mortos e 13 feridos, apesar de ninguém estar sugerindo que cortes orçamentários, anteriores ou atuais, tenham ligação com o tiroteio. O homem acusado, Jared Loughner, 22 anos, exibia sinais de comportamento bizarro nos anos que antecederam o massacre, segundo pessoas que o conheciam, mas não recebeu nenhum diagnóstico de doença mental ou tratamento.
“Após o que aconteceu em Tucson, nós precisamos nos conscientizar da necessidade desses programas”, disse Linda Lopez, uma senadora estadual democrata do Arizona, que trabalha na área de envolvimento comunitário de um centro de saúde mental de Tucson.
Até recentemente, o Arizona tinha um dos pacotes de benefícios mais generosos para tratamento de saúde mental, em grande parte resultado do acordo de um processo coletivo de 1989 e de uma lei estadual que garante assistência aos doentes mentais. Mas no ano passado o programa começou a encolher. O Estado cortou a orientação psicológica, o acompanhamento dos casos, a hospitalização voluntária, medicamentos de marca e vários outros serviços para não segurados do Medicaid (serviço de saúde público para pessoas de baixa renda).
Brewer, uma republicana, também está propondo cortes na qualificação para o Medicaid, que é maior seguradora de serviços públicos de saúde mental.
“Eu estou próximo dela há anos e ela tem sido de ajuda”, disse Charles Arnold, um advogado de saúde mental de Phoenix, que já processou o Estado para forçá-lo a fornecer serviços melhores. “Mas ela jogou a comunidade de serviços humanos sob um ônibus.”
Mas nem todos culpam Brewer. “Desde que ela se tornou governadora, ela tem tentado ao máximo proteger o sistema, apesar de toda a pressão de seu próprio partido”, disse Daniel Ranieri, presidente-executivo e do conselho do La Frontera Center, uma clínica de saúde mental em Tucson.
Brewer e outros governadores dizem que as duras realidades fiscais os estão forçando a propor cortes de custos que resultam em consequências profundas. Os cortes deste ano devem ser substanciais, mas são apenas a rodada mais recente na demolição causada pela recessão do sistema público de saúde mental, que há muito é inadequadamente financiado e é politicamente vulnerável.
A Associação Nacional de Diretores de Programas Estaduais de Saúde Mental estima que pelo menos US$ 2,1 bilhões foram cortados dos orçamentos estaduais de saúde mental nos últimos três anos fiscais.
Centros de tratamento diário para adultos foram fechados; os subsídios para orientação psicológica, medicamentos e serviços de apoio à família secaram; gerentes de casos foram demitidos; e os hospitais psiquiátricos perderam mais de 4 mil leitos, segundo Michael Fitzpatrick, diretor executivo da Aliança Nacional para Doenças Mentais. O arrocho fiscal acentuou a inadequação dos serviços comunitários para acomodar a desinstitucionalização, e as listas de espera têm crescido constantemente em muitos Estados.
No Estado de Washington, a governadora Christine Gregoire, uma democrata, impôs quase US$ 19 milhões em cortes aos programas comunitários de tratamento no final do ano passado, disse David Dickinson, diretor da Divisão de Saúde Comportamental e Recuperação do Estado. Os cortes levaram ao fechamento imediato de um centro de avaliação e tratamento com 16 leitos e de uma ala com 30 leitos em um hospital estadual.
O Estado já tinha reduzido anteriormente os valores pagos pelo Medicaid aos provedores de saúde mental e a governadora propôs cortes adicionais de US$ 17,4 milhões nos próximos dois anos. Ao apresentar o plano no mês passado, Gregoire reconheceu que “este orçamento não representa meus valores e não acho que representam os valores deste Estado”.
No Kansas, o novo governador, Sam Brownback, um republicano, pediu ao Legislativo pelo corte de US$ 10,2 milhões dos centros comunitários de saúde mental do Estado e US$ 5 milhões dos serviços terapêuticos para crianças com desordens graves.
No Mississippi, o governador Haley Barbour, um republicano, propôs gastar 13% a menos em saúde mental do que seu próprio diretor de divisão disse que seriam necessários para fornecer o mesmo nível de serviços neste ano. Seu Estado já tinha cortado gastos em centros, medicamentos, acompanhamento de casos e intervenções em crises. Ele também eliminou US$ 7 milhões em subsídios para entidades comunitárias e fechou mais de 200 leitos em um hospital estadual e um dormitório em um centro de tratamento adolescente.
Em Iowa na quarta-feira, o novo governador, Terry Branstad, rejeitou uma proposta de seu antecessor, Chet Culver, de eliminar 129 leitos e demitir 136 funcionários para cobrir um buraco orçamentário. O diretor de serviços humanos do Estado disse que as despesas seriam cortadas em outras partes.
Aqui no Arizona, onde Brewer adiou o anúncio de seu orçamento devido ao luto pelas vítimas do massacre em Tucson, ela está propondo ajudar a fechar um buraco orçamentário de US$ 1 bilhão por meio de uma aprovação federal para reduzir significativamente o programa do Medicaid no Estado. Para reduzir o impacto sobre as 5.200 pessoas com doenças mentais que perderiam sua cobertura de saúde, ela propõe gastar US$ 10 milhões para manter as pessoas vulneráveis sob medicação.
Apesar de ninguém sugerir que esses cortes orçamentários tiveram ligação com o massacre em Tucson, os defensores apontam que cortes nos programas de saúde mental têm consequências, incluindo custos humanos potenciais.
“Nós sabemos que incidentes de violência envolvendo pessoas com doenças mentais severas são ligeiramente maiores do que os envolvendo pessoas normais”, disse Sita Diehl, diretora de política estadual e defesa da Aliança Nacional para Doenças Mentais. “Mas quando você tem doenças mentais não tratadas, somadas com abuso de substâncias, às vezes ocorrem situações bem bizarras e alarmantes.”
Os pacientes, que são aqueles que conhecem melhor o sistema, lamentam como a redução dos serviços pode abalar suas vidas frágeis.
Pouco depois dos cortes no Arizona terem entrado em vigor no ano passado, Jo Evelyn Ivey, 32 anos, cuja desordem bipolar a forçou a encerrar sua carreira como advogada, sofreu o pior episódio de sua vida. Mas por ter perdido o acesso à sua gerente de caso, ela passou quatro dias tentando sem sucesso ser atendida por um médico. No quinto dia, ela tentou cometer suicídio com uma overdose de medicamento.
Em vez de morrer ela ficou muito doente. Ela então chamou a polícia e foi levada para um hospital em contenções. Ela foi mantida em tratamento intensivo por quatro dias e depois passou uma semana se recuperando em um hospital de saúde mental, ela disse.
“Quanto mais difícil se torna para as pessoas com doenças mentais terem acesso ao seu medicamento, médico ou serviços, mais situações como a minha ocorrerão”, ela disse.
Kevin Sack e A.G. Sulzberger contribuíram com reportagem.
Tradução: George El Khouri Andolfato
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