Anvisa reconheceu a ilegalidade da conduta do INPI
Um produto farmacêutico vastamente empregado no combate à Aids,
conhecido comercialmente pelo nome Kaletra, constituído pelos princípios ativos
Ritonavir e Lopinavir, com alto valor unitário e elevada demanda internacional
de mercado (acima de US$ 1 bilhão/ano, representando no orçamento público
brasileiro cerca de US$ 60 milhões/ano), acaba de ter a patente de um de seus
princípios ativos — o Lopinavir — colocada em domínio público. E um fato
marcante que resultará em expressiva queda no preço desse medicamento de
fundamental importância para o atendimento feito pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) a pacientes que sofrem com esse mal no país.
Em sentença publicada no dia 7 de março, a 9ª Vara Federal do Rio de
Janeiro julgou nula a patente do Lopinavir. Em decorrência dessa sentença,
foram anulados todos os atos administrativos concessórios do privilégio de
invenção relacionados a esse processo no Brasil, tornando-se de conhecimento
público a matéria para fins de seu aproveitamento em aplicações industriais e
para uso pelo SUS. Com isso, o governo deixa de despender elevados recursos
orçamentários requeridos para as aquisições desse medicamento nos produtores
nacionais já capacitados a produzi-lo.
Essa sentença, reafirmada no dia 20 de março quando não foi aceita uma
medida cautelar proposta pela titular da patente, se encontra em plena sintonia
com os mais relevantes interesses nacionais, em especial com a política de
desenvolvimento econômico e social do país. E, mais importante, a Justiça
Federal, entre outros fundamentos postos contra a patente na ação judicial,
reconheceu mais uma vez que as patentes pipelines são inconstitucionais por
permitirem o monopólio de mercado para fármacos e para medicamentos que já
estavam em domínio público ao ser aprovada a Lei de Patentes brasileira, sem
que atendessem, assim, ao requisito da novidade exigido pela lei nacional.
Além da inconstitucionalidade das pipelines, a ação judicial levou em
conta a falta de anuência prévia pela Anvisa no processo de concessão da
patente pelo INPI, argumento corroborado pela própria Anvisa, que também se
colocou a favor da nulidade. Portanto, a Anvisa reconheceu a ilegalidade da
conduta do INPI, pois, na data da concessão da patente, já estava em vigor a
medida provisória que outorgou a obrigatoriedade da consulta à Anvisa como
precondição ao registro.
Nesse cenário, deve ser ressaltado que, antes dessa relevante decisão da
Justiça brasileira, o laboratório multinacional titular da patente desse composto
já havia depositado outros pedidos de patente com as mesmas substâncias ativas,
sem qualquer atividade inventiva relevante, visando simplesmente a prorrogar
seu monopólio mercadológico de comercialização do produto.
O Kaletra é o segundo antirretroviral mais consumido no país, segundo o
Ministério da Saúde. Está apenas atrás do Efavirenz, que foi submetido ao
licenciamento compulsório pelo governo Lula, em processo que marcou a posição
segura e soberana de seu governo.
Em 2004, o Ministério da Saúde tentou obter do laboratório multinacional
detentor da patente do Kaletra uma redução no preço do medicamento, na ordem de
42%, mas não obteve êxito nessa tratativa. Com o aumento nos custos desse
medicamento, no ano seguinte o Ministério da Saúde fez uma ameaça final:
licenciar compulsoriamente a patente desse produto, na forma permitida pela
Organização Mundial do Comércio (OMC) — em casos de emergências sérias à saúde
pública, prática posteriormente adotada pelo governo federal ao licenciar
compulsoriamente o antirretroviral Efavirenz.
Antes, porém, de se concretizar o referido licenciamento compulsório da
patente do medicamento, o laboratório titular desse privilégio concordou em
reduzir o preço desse medicamento e mantê-lo estável durante seis anos. Esse
acordo, que terminou em 2011, rendeu ao governo uma economia total de US$ 340
milhões, de acordo com o Ministério da Saúde. Com essa medida o Kaletra escapou
do licenciamento compulsório, mas ainda continuou a ter expressivo retorno
financeiro além do razoável para a empresa multinacional em suas vendas ao
governo brasileiro.
Ao impedir agora a extensão dos benefícios da patente pretendida via sua
revalidação (instituto do pipeline), a decisão da 9ª Vara da Justiça Federal do
Rio de Janeiro se fundamenta, também, no fato de que não faz sentido adquirir
tal fármaco com preços não concorrenciais, o que lesa o erário público, a
sociedade e a concorrência.
O tema é importante. Não é por outra razão que o próprio Ministério
Público está movendo uma ação civil pública requerendo o licenciamento
compulsório do Kaletra. A decisão certamente servirá para sinalizar aos
titulares de patentes que o exercício abusivo de tais direitos, na área
estratégica da saúde pública, em especial nos casos embasados no instituto do
pipeline, está fadado a ser banido para sempre pela Justiça brasileira.
NELSON BRASIL DE OLIVEIRA é vice-presidente da Associação Brasileira das
Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina).
Nota de C&T: O Sr. Nelson Brasil de Oliveira evita citar o nome
da empresa detentora da patente do Kaletra, mas como se trata de um assunto
público e do interesse de todos, como também não temos compromissos com
Indústrias Farmacêuticas, para conhecimento da sociedade se trata do ABBOTT
LABORATÓRIOS, uma empresa de origem americana.
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