quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Indústria farmacêutica ignora doenças de países pobres

30/10/2013
Doenças como malária, tuberculose, dengue e Chagas estão entre as principais causas de mortalidade no mundo, mas não atraem o interesse da indústria farmacêutica. Dos 850 novos medicamentos e vacinas aprovados entre 2000 e 2011, apenas 4% destinavam-se às chamadas doenças negligenciadas, que afectam moradores de países mais pobres. A maioria dos produtos são versões de fármacos já existentes. Dos 336 fármacos desenvolvidos a partir de novas fórmulas, apenas 4% destinavam-se às doenças negligenciadas, avança o jornal Estadão.

Esses dados fazem parte de estudo “O panorama de medicamentos e vacinas para doenças negligenciadas (2000-11): uma avaliação sistémica”, publicado na revista científica The Lancet na semana passada. O trabalho foi realizado pela iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês), com outros investigadores de três universidades da França e Inglaterra, Médicos sem Fronteiras e Organização Mundial de Saúde (OMS).
"A conclusão fundamental do estudo é que nesta última década, embora houvesse um pouco mais de comprometimento político sobre a questão das doenças negligenciadas, não temos evidências concretas quanto a melhoras na pesquisa e desenvolvimento para encontrar solução para essas doenças. O fundamental desse estudo é a demonstração de uso de fármacos existentes, que foram reformulados. Não houve inovação radical. Estamos muito longe de termos resposta na luta contra as doenças negligenciadas", afirmou o economista Eric Stobbaerts, director executivo para a América Latina da DNDi.
Os investigadores analisaram medicamentos aprovados para 49 doenças, entre as quais 17 enfermidades tropicais e 11 que provocam diarreias. Dos 850 medicamentos, apenas 34 foram desenvolvidos para doenças tropicais, como malária, Chagas e doença do Sono. Entre esses, dois foram produzidos pela DNDi com parceiros brasileiros – a Fundação Oswaldo Cruz (malária) e o Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (formulação pediátrica para Chagas).
O estudo também reviu estudos clínicos em curso - dos 150 mil registados em 2011, 1% tinha como objectivo doenças negligenciadas. E a maioria dos novos produtos em desenvolvimento são vacinas. "A decisão pela qual se investe mais em vacinas é que há uma visão de longo prazo. A nossa chamada de atenção é dizer, sim, vacinas são importantes, mas acesso a medicamentos novos é fundamental para que se tenha uma resposta mais rápida", afirmou Stobbaerts.
Esse é o segundo estudo do género feito para avaliar a crise em pesquisa para doenças negligenciadas. Há 10 anos, Médicos Sem Fronteiras apresentaram um levantamento dos medicamentos aprovados entre 1975 e 1999 – apenas 1,1% destinavam-se às doenças negligenciadas.
Stobbaerts espera que o estudo chame a atenção do sector privado. "Sabemos que são doenças que não representam mercado interessante do ponto de vista do lucro, mas representam uma carga de saúde pública muito importante. A solução vai dar-se através de parcerias, colaboração entre ente público e privado. A solução vai ser unir os esforços no âmbito académico, das empresas, com liderança dos sectores públicos", defendeu.
 

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