EVANILDO DA SILVEIRA
| Edição 201 - Novembro de 2012
Fármacos produzidos na forma de cápsulas nanométricas é a
nova estratégia tecnológica da Biolab, empresa farmacêutica brasileira sediada
em São Paulo. A inovação se apresenta em dois medicamentos que estão em
desenvolvimento, um creme anestésico e uma solução para tratamento da alopecia,
principalmente na calvície ou, em menor grau, na falta de pelos no corpo A
novidade é composta de nanocápsulas feitas de um polímero, uma espécie de
plástico biodegradável que libera os princípios ativos lentamente no organismo
e provoca uma ação terapêutica mais prolongada, além de reduzir os efeitos
colaterais. Os medicamentos, resultado de uma parceria que já dura uma década
entre a Biolab e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estão em
testes clínicos e deverão ficar prontos para uso no final de 2013, depois de
passarem pelo crivo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Para o diretor de pesquisa, desenvolvimento e inovação da
Biolab, Marcio Falci, a ideia de desenvolver os dois novos produtos surgiu na
área de gestão do conhecimento da empresa. Esse setor mantém um banco de dados
com todo o conhecimento da Biolab e com informações sobre o que é feito e
pesquisado no mundo no campo de atuação da empresa. “Isso nos possibilita
estabelecer tendências, estudar os avanços tecnológicos relacionados com as
linhas de nossos medicamentos e pesquisas, conforme o interesse estratégico da
empresa”, explica. “Também fazemos o mapeamento das instituições de pesquisa,
de universidades e seus pesquisadores, o que auxilia em muito nossa prospecção
tecnológica para produtos futuros.”
Foi assim que um dos estudos realizados concluiu que os
mercados de anestésicos e de drogas capilares tinham um bom espaço para
crescimento. “Para atender às necessidades médicas detectadas, a inovação que
poderíamos incorporar, no sentido de oferecer tratamentos mais eficientes e
seguros, apontava para o emprego de nanotecnologia nos princípios ativos de
produtos já existentes”, explica Falci. “O nanoencapsulamento foi escolhido por
já fazer parte de nossas ferramentas produtivas.”
Os princípios ativos que serão utilizados são a
prilocaína e a lidocaína, no caso do anestésico, e a finasterida para a
calvície. Todos são conhecidos pela comunidade médica e usados em vários
medicamentos existentes no mercado. A empresa recorreu à antiga parceria com a
UFRGS que já havia dado resultado positivo na formulação de outros produtos
nanotecnológicas, no caso cosméticos e protetores solares (ver Pesquisa FAPESP nº 167), para absorver a
nanotecnologia em seus novos produtos. Dois grupos de pesquisa atuam em
conjunto na universidade, um coordenado pela farmacêutica Adriana Pohlmann, do
Instituto de Química, e outro pela também farmacêutica Sílvia Guterres,
professora da Faculdade de Farmácia.
O trabalho conjunto para a formulação das nanocápsulas
com a Biolab começou na UFRGS em 2005, em resposta a um edital de 2004 do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“Recebemos apoio financeiro do MCTI [Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação], por meio do CNPq”, conta Adriana. “A empresa deu a sua contrapartida
também e começamos o trabalho, que se estendeu até 2007, quando depositamos um
pedido de patente no INPI [Instituto Nacional de Propriedade Industrial].” A
partir daí, coube à Biolab prosseguir com o desenvolvimento dos medicamentos,
realizando testes em seres humanos e planejando a produção em grande escala.
Na UFRGS foi desenvolvida a tecnologia de
nanoencapsulamento dos princípios ativos usados pela Biolab, que entram na
composição do anestésico e do medicamento capilar. As nanocápsulas são
esféricas, com um diâmetro médio de 200 nanômetros – 1 nanômetro equivale a 1
milímetro dividido por 1 milhão. Para comparar, um fio de cabelo tem a
espessura de cerca de 50 mil nanômetros. No caso específico dos dois
medicamentos da Biolab, o uso das drogas se fará por meio de aplicação tópica
na forma de suspensão, creme ou gel. “Por causa das pequenas dimensões das
nanocápsulas, elas atingem apenas a camada da pele na qual será produzido o
efeito terapêutico desejado, no caso, a derme, sem que os princípios ativos
atinjam a corrente sanguínea e provoquem problemas colaterais”, explica Falci.
“Em contato com a pele, elas podem se romper ou ocorrer a erosão da parede
polimérica, liberando gradualmente as substâncias ativas no local da derme que
se buscou atingir.”
Nanomedicamentos, como os dois desenvolvidos pela Biolab,
se inserem num contexto maior, uma verdadeira revolução tecnológica que é a
nanotecnologia. Trata-se da engenharia de materiais em escala de átomos e
moléculas, que começa a causar impacto em várias áreas industriais, na
agricultura, na biologia, além da medicina e farmacologia. Alguns produtos com
essa tecnologia já estão no mercado. Entre eles, podem ser citados vidros e
cerâmicas autolimpantes, tecidos que não mancham, fármacos que circulam pela
corrente sanguínea até chegar ao órgão doente, além dos sensores de línguas
eletrônicas mais sensíveis que a humana na distinção de sabores. De acordo com
um estudo de 2010 da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI),
chamado Panorama da Nanotecnologia no Mundo e no Brasil, em 2004, os produtos
nanotecnológicos movimentaram na economia mundial não mais do que US$ 13
bilhões, o que representava menos que 0,1% da produção global de bens
manufaturados naquele ano. Três anos depois, esse mercado havia crescido 10
vezes, chegando a US$ 135 bilhões (incluindo semicondutores e equipamentos
eletrônicos). A previsão é de que esse valor chegue a US$ 1 trilhão no próximo
ano e atinja US$ 2,95 trilhões em 2015 ou mais de 15% de todos os bens
industrializados fabricados no planeta. Hoje a maior parcela desse mercado é do
setor químico, 53%, seguido pelo de semicondutores, 34%.
Tempo
de aprovação
Na área da saúde, a nanotecnologia é empregada na indústria de produtos médicos, veterinários, material para diagnóstico por imagens e, em maior quantidade, na área de cosméticos. Em relação a esses últimos, a Biolab já tem no mercado a linha Photoprot, de protetores solares, também desenvolvida em parceria com a UFRGS. A empresa lançou ainda a linha Skan, composta por um musse de limpeza e um gel-creme para o controle da oleosidade da pele. Nesses casos, o tempo entre o início do desenvolvimento do cosmético e a sua chegada às prateleiras das farmácias é menor, porque a legislação para a liberação desses produtos é menos rigorosa em relação aos novos medicamentos.
Na área da saúde, a nanotecnologia é empregada na indústria de produtos médicos, veterinários, material para diagnóstico por imagens e, em maior quantidade, na área de cosméticos. Em relação a esses últimos, a Biolab já tem no mercado a linha Photoprot, de protetores solares, também desenvolvida em parceria com a UFRGS. A empresa lançou ainda a linha Skan, composta por um musse de limpeza e um gel-creme para o controle da oleosidade da pele. Nesses casos, o tempo entre o início do desenvolvimento do cosmético e a sua chegada às prateleiras das farmácias é menor, porque a legislação para a liberação desses produtos é menos rigorosa em relação aos novos medicamentos.
A Biolab pretende trabalhar para mudar esta situação,
tornando mais rápida a liberação da venda de novas drogas. “Vamos solicitar ao
governo que se crie uma fila especial na Anvisa para medicamentos que tenham
inovação”, diz o diretor científico da Biolab, Dante Alario Junior. “Como o
incentivo à inovação faz parte da política científica do atual governo, cremos
que nossa solicitação faz sentido. Hoje uma nova droga pode levar de um ano e
meio a dois anos para ser analisada e liberada pela Anvisa. Para produtos
inovadores esse prazo deveria ser menor. Do jeito que está há risco de a
inovação já estar velha quando a venda do medicamento for permitida.”
No caso do nanoanestésico, a Biolab estima que o mercado
potencial é de cerca de R$ 30 milhões por ano. Quanto ao produto para a
calvície, a perspectiva é maior ainda: R$ 95 milhões. “Esses produtos tiveram
crescimento inferior ao do mercado total farmacêutico, que aumentou 59% em
unidades vendidas e 89,65% em faturamento nos últimos cinco anos”, conta Falci.
“Em comparação, o mercado para anestésicos cresceu, no mesmo período, 54% em
vendas e 77% em faturamento, e o de tratamento da alopecia, 48% e 46,7%,
respectivamente.”
A empresa não revela quanto investiu nos dois novos
produtos. “Na verdade, não sabemos, porque não discriminamos os gastos projeto
por projeto”, justifica Alario Junior. “Investimos em pesquisa desenvolvimento
e inovação entre 7% e 8% do nosso faturamento anual, que em 2012 deverá chegar
a R$ 780 milhões.” Para sanar essa lacuna, a companhia contratou uma
consultoria para analisar os investimentos em cada projeto e verificar como ela
pode aproveitar melhor os benefícios da Lei da Inovação, a chamada Lei do Bem,
que incentiva as indústrias a investirem em produtos inovadores.
Inovação
em grupo
Empresas farmacêuticas brasileiras se unem para gerar novos medicamentos
Empresas farmacêuticas brasileiras se unem para gerar novos medicamentos
A indústria farmacêutica
nacional passa por uma nova fase. Depois da aposta nos genéricos, que ajudou os
laboratórios brasileiros a se capitalizar e fortalecer, o setor pretende agora
transformar o país num polo de inovação, com foco em drogas sintéticas
avançadas, fitoterápicas e, principalmente, medicamentos biotecnológicos. O
caminho escolhido para alcançar esse objetivo é a união de esforços. Assim,
foram criadas neste ano duas grandes empresas, a Orygen e a Bionovis, cada uma
formada por quatro companhias nacionais, com o objetivo de realizar pesquisas e
desenvolver novos fármacos.
A criação das duas empresas foi estimulada pelo BNDES,
que desde 2003 realiza estudos e tenta apontar caminhos para o setor
farmacêutico nacional. Em 2004, o banco lançou o Programa de Apoio ao
Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica (Profarma), que tinha, entre
seus objetivos, reduzir o déficit comercial da cadeia produtiva farmacêutica,
além de estimular a realização de atividades de pesquisa, desenvolvimento e
inovação (P, D & I)no país. Em 2010 começou a sondagem para a criação de
uma grande companhia a partir da união de nove laboratórios. Durante o processo
de discussão, o grupo se dividiu e surgiram a Orygen e a Bionovis.
A primeira a ser criada foi a Bionovis, em março deste
ano, unindo Aché, EMS, União Química e Hypermarcas. Com capital de R$ 500
milhões – 25% de cada uma – a empresa vai pesquisar, desenvolver e
comercializar medicamentos biotecnológicos. “Vamos construir em 2013 um
laboratório de pesquisa e desenvolvimento e uma fábrica para produzir os
remédios”, diz o presidente da nova empresa, Odnir Finotti. “Nessa primeira
etapa, estamos fechando parcerias com duas companhias internacionais, que irão
transferir para nós a tecnologia para a produção de dois anticorpos
monoclonais, um para doenças do sistema imunológico e outro para câncer.”
Em maio surgiu a Orygen, também com capital de R$ 500
milhões, formada pelos laboratórios Biolab, Cristália, Eurofarma e Libbs. Para
presidi-la, os quatro foram buscar em Nova York o cientista britânico Andrew
Simpson, ex-diretor científico do Instituto Ludwig, que já trabalhou no Brasil
e, inclusive, foi coordenador-geral dos projetos genomas da bactéria Xylella fastidiosa e do
câncer iniciados no final dos anos 1990 e financiados pela FAPESP (ver Pesquisa FAPESP Especial dos 50 anos). “A
nova empresa quer estabelecer a capacidade de gerar anticorpos monoclonais
terapêuticos em escala industrial no Brasil, o que possibilitará ampliar o
acesso desses produtos no país, e também desenvolver novas moléculas terapêuticas
por meio de um ativo centro de P, D & I”, diz Simpson. “A fundação da
Orygen e da Bionovis forma um agrupamento industrial farmacêutico mais completo
no país, tornando possível a produção e comercialização de medicamentos
complexos.”
No campo institucional essas oito companhias e mais a
Hebron se uniram e criaram a associação Grupo FarmaBrasil (GFB), que tem como
missão fortalecer a indústria nacional de medicamentos. Juntas, elas respondem
por 36% de todo o volume de remédios fabricados no Brasil e 53% dos genéricos,
empregam cerca de 30 mil pessoas e investem, em média, 6% de seu faturamento em
pesquisa e desenvolvimento. Segundo o presidente da entidade, Reginaldo Arcuri,
a associação surgiu para colocar em prática uma agenda estratégica, que vem sendo
discutida desde 2010. Ela inclui a adoção de uma política industrial para o
setor, visando aumentar a capacidade de inovação dos laboratórios nacionais e a
produção de fármacos no país. “A participação das empresas nacionais no mercado
de medicamentos passou de 4,7% em 1998 para 20,86% em 2011, o que representa um
crescimento de mais de 400%”, diz. “Isso significa que a indústria nacional é
capaz de responder não só aos desafios, mas às oportunidades geradas pelo
conjunto de políticas públicas para a área da saúde no Brasil.”
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