Nos últimos três anos, cinco médicos foram cassados pelo Conselho Federal de Medicina por terapias hormonais não reconhecidas aqui no Brasil.
Neste domingo, o Fantástico mostra os doutores do antienvelhecimento. Médicos que oferecem tratamentos hormonais que eles dizem ser revolucionários - mas que, na verdade, são condenados pelo Conselho Federal de Medicina. A reportagem é de Rodrigo Alvarez, Luciana Osório e Eglédio Vianna."
Eles estão convencidos de que podem ficar dez, 20, 30
anos mais jovens, com uma mudança de estilo de vida turbinada por hormônios.
“Eu tenho disposição de cara de 40 anos, até mais!”, garante o corretor de imóveis Maurício Barbosa, de 67 anos
“As minhas amigas chegam para mim e falam ‘nossa, você está mais nova, o que você está fazendo?’”, diz a administradora Carminha Melo Cruz, de 57 anos.
Mauricio passa testosterona na pele e toma seis cápsulas por dia. “Todo dia eu passo”, revela ele.
Carminha toma cortisona, progesterona, melatonina... Dezesseis cápsulas por dia.
Os dois ouviram promessas, exatamente como as que a reportagem do Fantástico vai mostrar.
“Com o medicamento oral, você vai rejuvenescer dois anos, três anos. Com o medicamento injetável, oito anos, dez anos”, garante um médico.
“A idade cronológica continua evoluindo, 51, 52, 53 anos. A idade biológica que a gente consegue trazer”, afirma outro médico.
“Com essas coisas que eu vou fazer aqui, daqui a três meses ele está se sentindo com uns 35 anos. Tome nota. Eu não sou charlatão”, promete outro médico.
Todos eles são médicos. E dizem que é possível botar um freio na velhice.
“Arrumando os níveis hormonais”, diz um.
“É exatamente quando o hormônio falta que a coisa vem”, explica outro.
“Se eu levanto o nível hormonal, a pessoa não tem Alzheimer”, garante.
Será que esses médicos têm razão? Será que os tratamentos de Maurício e Carminha vão mesmo fazê-los mais jovens, e sem efeitos colaterais?
A equipe do Fantástico mostra, com exclusividade, as conclusões do Conselho Federal de Medicina (CFM), que é a autoridade máxima nesse assunto. Mas, pelo menos uma coisa todo médico já tem obrigação de saber: desde 2010, uma resolução do Conselho Federal proíbe qualquer terapia antienvelhecimento.
“Lá nos Estados Unidos se chama anti-aging medicine, e, aqui no Brasil, os caras não querem nem ouvir falar de envelhecimento. Estão tentando um monte de nomes. Medicina integrativa, medicina de modulação hormonal”, conta um dos médicos. ““É medicina antienvelhecimento”.
“É a mesma coisa, mas é questão de termo”, garante outro
No consultório do doutor Wagner Gonzaga, um paciente de 51 anos e 90 quilos. Ele reclama de hipertensão e cansaço crônico. Está acompanhado de uma produtora do Fantástico. Sem qualquer exame de laboratório, o médico logo receita o primeiro hormônio: “Testosterona, que protege o coração dele”.
A testosterona é o principal hormônio masculino e, ao mesmo tempo, um anabolizante, que ajuda a aumentar a massa muscular. A partir dos 40 anos, a produção naturalmente diminui.
Endocrinologistas afirmam que isso não significa necessidade de reposição. Já o médico, que é ginecologista, receita duas ampolas.
“Toma uma e, daqui a um mês e meio, ele toma a segunda. E olhe, desculpe a brincadeira, que é um tanto chula. Se quiser, nem diz a ele, mas ele está tão tenso! Você vai ter um leiloeiro dentro de casa”, diz Wagner Gonzaga.
A brincadeira é chula mesmo.
“Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três. Se prepare!”, acrescenta o médico.
Uma pesquisa com quase quatro mil homens idosos na Austrália, publicada na semana passada, concluiu que pacientes com índices elevados de testosterona livre, a responsável pela atuação do hormônio no organismo, têm risco 9% maior de desenvolver câncer de próstata.
O doutor Wagner alega que os hormônios que ele prescreve são bioidênticos, ou seja, têm estrutura igualzinha à dos hormônios produzidos pelo nosso organismo. E, por isso, seriam inofensivos.
“Testosterona bioidêntica. Igual a dele. Não faz mal! Não faz mal!”, diz.
No consultório em Curitiba, o doutor José Luiz Verde faz um longo exame clinico. E o paciente sai com uma lista enorme de suplementos, vitaminas e cinco hormônios. Entre eles, a melatonina, proibida no Brasil.
Já em outro consultório, em Belo Horizonte, o doutor Élerson Peixoto prescreve até um anestésico, a procaína. “Quando ele chegar aos 60 de idade, ele vai manter a disposição dos 45”, afirma.
A procaína com promessa de antienvelhecimento é condenada pelo Conselho Federal de Medicina. E, duas semanas depois, o médico ainda ensina a fazer as aplicações.
“Você vai quebrar o frasquinho, aspirar os 5ml, injetar 2,5ml de um lado, 2,5ml do outro”.
Pior, a venda ocorre na própria clínica. O Código de Ética diz que médicos são proibidos de vender qualquer medicamento.
“A procaína tem efeitos colaterais, benefícios para rejuvenescimento não existem. Ela pode dar convulsões, pode dar arritmias e outras complicações”, afirma Silvia Pereira, diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Representantes da Sociedade Brasileira de Geriatria analisaram a conduta dos doutores antienvelhecimento.
“Não se pode prescrever nenhum hormônio sem ter o teste de dosagem deste hormônio”, diz Silvia.
E o paciente que ouviu de dois médicos que deveria usar testosterona descobriu, em um exame de sangue, que tinha níveis absolutamente normais do hormônio.
Não seria o caso de indicar testosterona para essa pessoa? “Não, porque tem os malefícios do excesso do hormônio”, explica Silvia Pereira.
José Elias Pinheiro,da câmara técnica de geriatria do CFM, desmente a afirmação de que a testosterona bioidêntica faria menos mal à saúde: “Não faz menos mal, faz tanto mal quanto”.
A empresária Andréia Simoni passou meses em casa, sem cura para a depressão.
“Eu estava desfalecida, não conseguia trabalhar”, lembra Andréia.
Até que ela encontrou um médico que saiu receitando hormônios. “Testosterona, progesterona, a hidrocortisona...”, conta Andréia.
“Os hormônios provocam sensações. Então, pode gerar uma euforia. Mas, por outro lado, você também tem os efeitos colaterais do uso desses hormônios que ela experimentou”, explica a endocrinologista Ruth Clapauch.
Pois é. Depois da euforia, Andréia ganhou 14 quilos e uma série de efeitos colaterais.
“É um inchaço muito grande. Inchaço na mão, inchaço no pé.”, reclama Andréia.
“Quando eu a examinei, vi que ela estava realmente desequilibrada. Ela estava com o que os médicos chamam de Síndrome de Cushing, que é um excesso de corticóide. Estava inchada. Estava com um excesso de gordura na nuca, que a gente chama de giba, com acne, aumento de gordura abdominal, alteração da pressão”, conta Ruth.
Para esses doutores, hormônios servem até para emagrecer.
O médico Wagner Gonzaga cita um hormônio chamado gonadotrofina coriônica humana. Também conhecido como HCG, é uma substancia produzida pelas mulheres, durante a gravidez.
“É barato porque é só mandar as mulheres grávidas fazerem xixi. Colher aquele xixi e processar no laboratório”, diz o médico.
O doutor Wagner diz que também está tomando o HCG: “Estou com 64 quilos, no mês de maio eu estava com 76 quilos”.
Elizabete Viana de Freiras, conselheira consultiva da SBGG, explica que o HCG não ajuda a emagrecer. “Ele pode trazer problemas para a saúde, como o desenvolvimento de certas doenças que são hormônio-dependentes, como certos tumores. Câncer”, alerta ela.
Aos críticos do antienvelhecimento, uma resposta na ponta da língua.
“Uma medicina que está há 25 anos nos Estados Unidos e continua lá, não pode ser ruim”, defende José Luiz Verde.
Cara de vovô, corpo de super-herói americano. Doctor Life é o símbolo máximo do antienvelhecimento. Um fenômeno, que o correspondente Helter Duarte foi ver de perto.
O Doutor Life é uma celebridade nos Estados Unidos e em muitos outros países. Ele mora em Las Vegas, atende em um consultório no mesmo prédio onde também dirige um império totalmente dedicado ao antienvelhecimento.
Jeffry Life começou como paciente e agora é garoto propaganda de um negocio que faturou US$ 60 milhões em 2011.
O médico conta que, depois de pedir exames, costuma receitar hormônios, vitaminas e suplementos. Tudo vendido pela própria empresa ao preço mínimo de R$ 2 mil por mês.
Se existem efeitos colaterais? Doctor Life diz que ouve essa pergunta há muitos anos. E que a resposta é não.
"Mesmo se o paciente tem histórico de câncer na família?", pergunta o repórter. "Sem dúvida. Inclusive, temos pacientes com esse perfil, mas é claro que nos certificamos de que eles não estão com câncer antes de começar o tratamento”, responde Life.
Nos Estados Unidos, essas terapias não foram reconhecidas como medicina pelas duas maiores associações médicas do país. Com isso, os doutores do antienvelhecimento criaram a própria associação. Um médico americano só é punido por prática indevida se for denunciado por um paciente. E é assim também que funciona no Brasil.
“O doutor Italo Rachid, que foi quem introduziu isso aqui no Brasil, tem 53 anos. Sabe qual é a idade biológica dele? 30!”, diz o médico José Luiz Verde.
Trinta? Italo Rachid corre 20 quilômetros em uma hora e 38 minutos. É faixa preta de judô e agora treina MMA. E diz estar ainda mais jovem.
“Meu organismo hoje funciona com todos os parâmetros de um indivíduo absolutamente saudável de 26 anos de idade”, garante Italo Rachid.
O doutor Rachid aprendeu muito do que sabe na empresa dirigida pelo Doctor Life. Toma 75 cápsulas por dia.
“As pessoas estão acostumadas com o mundo desse tamanho. Um mundo de colesterol, de hemograma e de glicemia. Esse mundo já passou. Eu me sinto em uma bolha”, diz Italo Rachid.
E, nessa mesma bolha, 1.850 médicos brasileiros formados no curso do professor Rachid. A base das teorias é um livrão.
“Depois, você pode conferir aqui, hormônio por hormônio, são quase oito mil trabalhos científicos indexados aqui dando sustentação ao que nós estamos fazendo”, explica Italo Rachid.
O doutor Italo Rachid saiu de Fortaleza levando o calhamaço de pesquisas científicas ao Conselho Federal de Medicina, em Brasília, na tentativa de transformar o antienvelhecimento em uma especialidade médica no Brasil. Isso foi em maio de 2011. O Conselho analisou página por página dos documentos e chegou às suas conclusões, que o Fantástico mostra com exclusividade.
Quem assina o parecer é o doutor Gerson Martins. A Câmara de Geriatroa do Conselho analisou os oito mil estudos, descartou os repetidos e os considerados ultrapassados. Restaram 2.857. Sobre envelhecimento: “Somente 49 tratavam sobre envelhecimento”, diz o doutro Gerson Martins.
Gerson Martins explica que não foi encontrada evidência de que o tratamento antienvelhecimento seja benéfico. “A resposta é categórica e incisiva: não. Não há nenhum trabalho que mostre, que ele apresentou, que mostre, ou mesmo que nós tenhamos estudado depois, que sejam usados como antienvelhecimento. Não existe tratamento para o antienvelhecimento”, afirma ele.
O novo parecer do Conselho Federal de Medicina concluiu que a falta de evidências científicas e os riscos e malefícios que trazem à saúde não permitem o uso de terapias hormonais para prevenir o envelhecimento.
“Hoje essa prática está condenada, com esse parecer, é condenável. Não nos cabe outra alternativa a não ser fazer uma resolução para proibir o uso desses hormônios e dessas substâncias. A sociedade precisa denunciar esses médicos que agem dessa maneira”, diz o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto D’Ávila.
O assessor político Hasiel Pereira carrega debaixo do braço as duas denúncias que apresentou contra um médico no Rio de Janeiro. Ele foi à polícia e ao Conselho Regional de Medicina, onde o processo corre em sigilo.
“A história de que vai ficar mais jovem, de que vai viver mais eternamente, isso é conversa para boi dormir”, diz.
O tratamento começou em 2005, com melatonina, para combater uma insônia.
“Se tivesse parado aí o tratamento, eu não teria do que reclamar. Mas como ele insistiu nas outras reposições hormonais. Eu fui tomando esses hormônios, todos desnecessariamente”, conta Hasiel.
O laudo de um perito mostra que os níveis de hormônio de Hasiel eram normais antes do tratamento. E que houve prescrição de medicamento desnecessário, expondo o paciente a riscos.
Hasiel diz que as dores são culpa do excesso de GH - o hormônio do crescimento.
O hormônio do crescimento é produzido no nosso cérebro com mais intensidade na adolescência. E diminui ao longo dos anos. O que não significa deficiência.
O pesquisador americano Thomas Perls é um dos maiores inimigos das terapias antienvelhecimento. E, principalmente, do que considera uso irresponsável do GH.
"Quem toma GH sem precisar tem risco 50% maior de sofrer efeitos colaterais sérios, como dores nas juntas, pressão alta e inchaço dos órgãos", explica Perls.
O doutor Perls coordena a maior pesquisa do mundo sobre centenários. E diz que para envelhecer bem não existe milagre: "Temos que ter um estilo de vida saudável, controlando o estresse, sem cigarro, com exercícios, boa alimentação e amigos para conversar."
Na sexta-feira, no consultório em Fortaleza, o doutor Wagner Gonzaga disse que jamais receitou hormônios sem exame de sangue. E negou que tenha falado aos pacientes que o tratamento com hormônios e suplementos previne o câncer. “Não digo isso não, nem isso é verdade”.
Depois de saber da denúncia, ele tentou se explicar. “Ele só iria tomar se eu confirmasse, pelos exames dele, que ele deveria tomar”. E defendeu sua prática: “O hormônio é quem dá a saúde. A medicina clássica não entendeu isso ainda”.
Em Belo Horizonte, o doutor Élerson Peixoto admitiu que indica a procaína para o antienvelhecimento, mas negou que ensine os pacientes a usá-la e que o anestésico seja vendido no consultório.
O doutor José Luiz Verde disse que não vê problema em receitar cinco hormônios só com exame clínico. E voltou a falar sobre o Alzheimer: “A gente crê que, se a gente levantar o nível hormonal, a gente pode segurar um pouquinho. Não vou curar Alzheimer, não vou fazer nada”.
Nos últimos três anos, cinco médicos foram cassados pelo Conselho Federal de Medicina por terapias hormonais não reconhecidas aqui no Brasil.
“Eu tenho disposição de cara de 40 anos, até mais!”, garante o corretor de imóveis Maurício Barbosa, de 67 anos
“As minhas amigas chegam para mim e falam ‘nossa, você está mais nova, o que você está fazendo?’”, diz a administradora Carminha Melo Cruz, de 57 anos.
Mauricio passa testosterona na pele e toma seis cápsulas por dia. “Todo dia eu passo”, revela ele.
Carminha toma cortisona, progesterona, melatonina... Dezesseis cápsulas por dia.
Os dois ouviram promessas, exatamente como as que a reportagem do Fantástico vai mostrar.
“Com o medicamento oral, você vai rejuvenescer dois anos, três anos. Com o medicamento injetável, oito anos, dez anos”, garante um médico.
“A idade cronológica continua evoluindo, 51, 52, 53 anos. A idade biológica que a gente consegue trazer”, afirma outro médico.
“Com essas coisas que eu vou fazer aqui, daqui a três meses ele está se sentindo com uns 35 anos. Tome nota. Eu não sou charlatão”, promete outro médico.
Todos eles são médicos. E dizem que é possível botar um freio na velhice.
“Arrumando os níveis hormonais”, diz um.
“É exatamente quando o hormônio falta que a coisa vem”, explica outro.
“Se eu levanto o nível hormonal, a pessoa não tem Alzheimer”, garante.
Será que esses médicos têm razão? Será que os tratamentos de Maurício e Carminha vão mesmo fazê-los mais jovens, e sem efeitos colaterais?
A equipe do Fantástico mostra, com exclusividade, as conclusões do Conselho Federal de Medicina (CFM), que é a autoridade máxima nesse assunto. Mas, pelo menos uma coisa todo médico já tem obrigação de saber: desde 2010, uma resolução do Conselho Federal proíbe qualquer terapia antienvelhecimento.
“Lá nos Estados Unidos se chama anti-aging medicine, e, aqui no Brasil, os caras não querem nem ouvir falar de envelhecimento. Estão tentando um monte de nomes. Medicina integrativa, medicina de modulação hormonal”, conta um dos médicos. ““É medicina antienvelhecimento”.
“É a mesma coisa, mas é questão de termo”, garante outro
No consultório do doutor Wagner Gonzaga, um paciente de 51 anos e 90 quilos. Ele reclama de hipertensão e cansaço crônico. Está acompanhado de uma produtora do Fantástico. Sem qualquer exame de laboratório, o médico logo receita o primeiro hormônio: “Testosterona, que protege o coração dele”.
A testosterona é o principal hormônio masculino e, ao mesmo tempo, um anabolizante, que ajuda a aumentar a massa muscular. A partir dos 40 anos, a produção naturalmente diminui.
Endocrinologistas afirmam que isso não significa necessidade de reposição. Já o médico, que é ginecologista, receita duas ampolas.
“Toma uma e, daqui a um mês e meio, ele toma a segunda. E olhe, desculpe a brincadeira, que é um tanto chula. Se quiser, nem diz a ele, mas ele está tão tenso! Você vai ter um leiloeiro dentro de casa”, diz Wagner Gonzaga.
A brincadeira é chula mesmo.
“Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três. Se prepare!”, acrescenta o médico.
Uma pesquisa com quase quatro mil homens idosos na Austrália, publicada na semana passada, concluiu que pacientes com índices elevados de testosterona livre, a responsável pela atuação do hormônio no organismo, têm risco 9% maior de desenvolver câncer de próstata.
O doutor Wagner alega que os hormônios que ele prescreve são bioidênticos, ou seja, têm estrutura igualzinha à dos hormônios produzidos pelo nosso organismo. E, por isso, seriam inofensivos.
“Testosterona bioidêntica. Igual a dele. Não faz mal! Não faz mal!”, diz.
No consultório em Curitiba, o doutor José Luiz Verde faz um longo exame clinico. E o paciente sai com uma lista enorme de suplementos, vitaminas e cinco hormônios. Entre eles, a melatonina, proibida no Brasil.
Já em outro consultório, em Belo Horizonte, o doutor Élerson Peixoto prescreve até um anestésico, a procaína. “Quando ele chegar aos 60 de idade, ele vai manter a disposição dos 45”, afirma.
A procaína com promessa de antienvelhecimento é condenada pelo Conselho Federal de Medicina. E, duas semanas depois, o médico ainda ensina a fazer as aplicações.
“Você vai quebrar o frasquinho, aspirar os 5ml, injetar 2,5ml de um lado, 2,5ml do outro”.
Pior, a venda ocorre na própria clínica. O Código de Ética diz que médicos são proibidos de vender qualquer medicamento.
“A procaína tem efeitos colaterais, benefícios para rejuvenescimento não existem. Ela pode dar convulsões, pode dar arritmias e outras complicações”, afirma Silvia Pereira, diretora da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Representantes da Sociedade Brasileira de Geriatria analisaram a conduta dos doutores antienvelhecimento.
“Não se pode prescrever nenhum hormônio sem ter o teste de dosagem deste hormônio”, diz Silvia.
E o paciente que ouviu de dois médicos que deveria usar testosterona descobriu, em um exame de sangue, que tinha níveis absolutamente normais do hormônio.
Não seria o caso de indicar testosterona para essa pessoa? “Não, porque tem os malefícios do excesso do hormônio”, explica Silvia Pereira.
José Elias Pinheiro,da câmara técnica de geriatria do CFM, desmente a afirmação de que a testosterona bioidêntica faria menos mal à saúde: “Não faz menos mal, faz tanto mal quanto”.
A empresária Andréia Simoni passou meses em casa, sem cura para a depressão.
“Eu estava desfalecida, não conseguia trabalhar”, lembra Andréia.
Até que ela encontrou um médico que saiu receitando hormônios. “Testosterona, progesterona, a hidrocortisona...”, conta Andréia.
“Os hormônios provocam sensações. Então, pode gerar uma euforia. Mas, por outro lado, você também tem os efeitos colaterais do uso desses hormônios que ela experimentou”, explica a endocrinologista Ruth Clapauch.
Pois é. Depois da euforia, Andréia ganhou 14 quilos e uma série de efeitos colaterais.
“É um inchaço muito grande. Inchaço na mão, inchaço no pé.”, reclama Andréia.
“Quando eu a examinei, vi que ela estava realmente desequilibrada. Ela estava com o que os médicos chamam de Síndrome de Cushing, que é um excesso de corticóide. Estava inchada. Estava com um excesso de gordura na nuca, que a gente chama de giba, com acne, aumento de gordura abdominal, alteração da pressão”, conta Ruth.
Para esses doutores, hormônios servem até para emagrecer.
O médico Wagner Gonzaga cita um hormônio chamado gonadotrofina coriônica humana. Também conhecido como HCG, é uma substancia produzida pelas mulheres, durante a gravidez.
“É barato porque é só mandar as mulheres grávidas fazerem xixi. Colher aquele xixi e processar no laboratório”, diz o médico.
O doutor Wagner diz que também está tomando o HCG: “Estou com 64 quilos, no mês de maio eu estava com 76 quilos”.
Elizabete Viana de Freiras, conselheira consultiva da SBGG, explica que o HCG não ajuda a emagrecer. “Ele pode trazer problemas para a saúde, como o desenvolvimento de certas doenças que são hormônio-dependentes, como certos tumores. Câncer”, alerta ela.
Aos críticos do antienvelhecimento, uma resposta na ponta da língua.
“Uma medicina que está há 25 anos nos Estados Unidos e continua lá, não pode ser ruim”, defende José Luiz Verde.
Cara de vovô, corpo de super-herói americano. Doctor Life é o símbolo máximo do antienvelhecimento. Um fenômeno, que o correspondente Helter Duarte foi ver de perto.
O Doutor Life é uma celebridade nos Estados Unidos e em muitos outros países. Ele mora em Las Vegas, atende em um consultório no mesmo prédio onde também dirige um império totalmente dedicado ao antienvelhecimento.
Jeffry Life começou como paciente e agora é garoto propaganda de um negocio que faturou US$ 60 milhões em 2011.
O médico conta que, depois de pedir exames, costuma receitar hormônios, vitaminas e suplementos. Tudo vendido pela própria empresa ao preço mínimo de R$ 2 mil por mês.
Se existem efeitos colaterais? Doctor Life diz que ouve essa pergunta há muitos anos. E que a resposta é não.
"Mesmo se o paciente tem histórico de câncer na família?", pergunta o repórter. "Sem dúvida. Inclusive, temos pacientes com esse perfil, mas é claro que nos certificamos de que eles não estão com câncer antes de começar o tratamento”, responde Life.
Nos Estados Unidos, essas terapias não foram reconhecidas como medicina pelas duas maiores associações médicas do país. Com isso, os doutores do antienvelhecimento criaram a própria associação. Um médico americano só é punido por prática indevida se for denunciado por um paciente. E é assim também que funciona no Brasil.
“O doutor Italo Rachid, que foi quem introduziu isso aqui no Brasil, tem 53 anos. Sabe qual é a idade biológica dele? 30!”, diz o médico José Luiz Verde.
Trinta? Italo Rachid corre 20 quilômetros em uma hora e 38 minutos. É faixa preta de judô e agora treina MMA. E diz estar ainda mais jovem.
“Meu organismo hoje funciona com todos os parâmetros de um indivíduo absolutamente saudável de 26 anos de idade”, garante Italo Rachid.
O doutor Rachid aprendeu muito do que sabe na empresa dirigida pelo Doctor Life. Toma 75 cápsulas por dia.
“As pessoas estão acostumadas com o mundo desse tamanho. Um mundo de colesterol, de hemograma e de glicemia. Esse mundo já passou. Eu me sinto em uma bolha”, diz Italo Rachid.
E, nessa mesma bolha, 1.850 médicos brasileiros formados no curso do professor Rachid. A base das teorias é um livrão.
“Depois, você pode conferir aqui, hormônio por hormônio, são quase oito mil trabalhos científicos indexados aqui dando sustentação ao que nós estamos fazendo”, explica Italo Rachid.
O doutor Italo Rachid saiu de Fortaleza levando o calhamaço de pesquisas científicas ao Conselho Federal de Medicina, em Brasília, na tentativa de transformar o antienvelhecimento em uma especialidade médica no Brasil. Isso foi em maio de 2011. O Conselho analisou página por página dos documentos e chegou às suas conclusões, que o Fantástico mostra com exclusividade.
Quem assina o parecer é o doutor Gerson Martins. A Câmara de Geriatroa do Conselho analisou os oito mil estudos, descartou os repetidos e os considerados ultrapassados. Restaram 2.857. Sobre envelhecimento: “Somente 49 tratavam sobre envelhecimento”, diz o doutro Gerson Martins.
Gerson Martins explica que não foi encontrada evidência de que o tratamento antienvelhecimento seja benéfico. “A resposta é categórica e incisiva: não. Não há nenhum trabalho que mostre, que ele apresentou, que mostre, ou mesmo que nós tenhamos estudado depois, que sejam usados como antienvelhecimento. Não existe tratamento para o antienvelhecimento”, afirma ele.
O novo parecer do Conselho Federal de Medicina concluiu que a falta de evidências científicas e os riscos e malefícios que trazem à saúde não permitem o uso de terapias hormonais para prevenir o envelhecimento.
“Hoje essa prática está condenada, com esse parecer, é condenável. Não nos cabe outra alternativa a não ser fazer uma resolução para proibir o uso desses hormônios e dessas substâncias. A sociedade precisa denunciar esses médicos que agem dessa maneira”, diz o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto D’Ávila.
O assessor político Hasiel Pereira carrega debaixo do braço as duas denúncias que apresentou contra um médico no Rio de Janeiro. Ele foi à polícia e ao Conselho Regional de Medicina, onde o processo corre em sigilo.
“A história de que vai ficar mais jovem, de que vai viver mais eternamente, isso é conversa para boi dormir”, diz.
O tratamento começou em 2005, com melatonina, para combater uma insônia.
“Se tivesse parado aí o tratamento, eu não teria do que reclamar. Mas como ele insistiu nas outras reposições hormonais. Eu fui tomando esses hormônios, todos desnecessariamente”, conta Hasiel.
O laudo de um perito mostra que os níveis de hormônio de Hasiel eram normais antes do tratamento. E que houve prescrição de medicamento desnecessário, expondo o paciente a riscos.
Hasiel diz que as dores são culpa do excesso de GH - o hormônio do crescimento.
O hormônio do crescimento é produzido no nosso cérebro com mais intensidade na adolescência. E diminui ao longo dos anos. O que não significa deficiência.
O pesquisador americano Thomas Perls é um dos maiores inimigos das terapias antienvelhecimento. E, principalmente, do que considera uso irresponsável do GH.
"Quem toma GH sem precisar tem risco 50% maior de sofrer efeitos colaterais sérios, como dores nas juntas, pressão alta e inchaço dos órgãos", explica Perls.
O doutor Perls coordena a maior pesquisa do mundo sobre centenários. E diz que para envelhecer bem não existe milagre: "Temos que ter um estilo de vida saudável, controlando o estresse, sem cigarro, com exercícios, boa alimentação e amigos para conversar."
Na sexta-feira, no consultório em Fortaleza, o doutor Wagner Gonzaga disse que jamais receitou hormônios sem exame de sangue. E negou que tenha falado aos pacientes que o tratamento com hormônios e suplementos previne o câncer. “Não digo isso não, nem isso é verdade”.
Depois de saber da denúncia, ele tentou se explicar. “Ele só iria tomar se eu confirmasse, pelos exames dele, que ele deveria tomar”. E defendeu sua prática: “O hormônio é quem dá a saúde. A medicina clássica não entendeu isso ainda”.
Em Belo Horizonte, o doutor Élerson Peixoto admitiu que indica a procaína para o antienvelhecimento, mas negou que ensine os pacientes a usá-la e que o anestésico seja vendido no consultório.
O doutor José Luiz Verde disse que não vê problema em receitar cinco hormônios só com exame clínico. E voltou a falar sobre o Alzheimer: “A gente crê que, se a gente levantar o nível hormonal, a gente pode segurar um pouquinho. Não vou curar Alzheimer, não vou fazer nada”.
Nos últimos três anos, cinco médicos foram cassados pelo Conselho Federal de Medicina por terapias hormonais não reconhecidas aqui no Brasil.
Vídeo da matéria no link: http://tinyurl.com/c4x654z
Nenhum comentário:
Postar um comentário