terça-feira, 1 de julho de 2014

Afinal o Estado é o maior inovador (É preciso pensar fora da caixa para entender o conteúdo desse artigo)

O mito diz: os saltos tecnológicos acontecem em garagens esconsas onde se juntam alguns geniais rapazes. E no entanto é realmente um mito. O Estado conta e muito.

30/06/2014 | 00:28 | Dinheiro Vivo

"Os grandes avanços da civilização", escreveu Milton Friedman em Capitalismo e Liberdade (1962), "na arquitetura ou na pintura, ciência ou literatura, indústria ou agricultura, nunca tiveram origem no governo". Não explicou onde é que inseria a arte patrocinada pelo Estado na Atenas de Péricles, nem os Médicis que, enquanto banqueiros dominantes e dirigentes florentinos, encomendaram e financiaram tanta da arte do Renascimento. Ou a corte espanhola, que nos deu Velázquez. Ou o Manhattan Project do governo norte-americano, que originou a produção da bomba atómica, ou os Institutos Nacionais de Saúde, cujas bolsas concedidas conduziram a muitas das mais importantes inovações farmacêuticas.

Talvez pudéssemos perdoar os comentários mal informados de Friedman como uma explosão de entusiasmo ideológico, se tantos economistas e executivos não aceitassem este mito como verdadeiro. Ouvimos repetidamente de quem não se esperaria que o governo é um obstáculo às inovações que produzem crescimento. Que devia sair do caminho. Lawrence Summers disse algo do género pouco depois do fim do seu mandato como ministro das Finanças de Clinton: "Há algo nesta época que atribui um valor preponderante aos incentivos, à descentralização, ao permitir que a pequena energia económica flua de baixo para cima, em vez de optar por uma abordagem mais direta, de cima para baixo. Mais recentemente, o economista Robert Gordon afirmou-se "extremamente cético em relação ao governo" como fonte de inovação. "Esse é o papel dos empreendedores. O governo não teve nada a ver com Bill Gates, Jobs, Zuckerberg."

Felizmente, um novo livro, The Entrepreneurial State, da economista da Universidade de Sussex Mariana Mazzucato, documenta enfaticamente o quanto essas afirmações estão erradas. A investigação vai muito além da história batida sobre como a internet foi desenvolvida no Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Por exemplo, embora Steve Jobs tenha imaginado e concebido de maneira brilhante novos produtos, a pesquisa científica de base para o iPod, iPhone e iPad deveu-se a cientistas e engenheiros apoiados pelo governo, na Europa e na América. A tecnologia touch-screen baseou-se em pesquisas feitas em laboratórios financiados pelo governo nos anos de 1960 e 1970.

Gordon designou os Institutos Nacionais de Saúde um útil "apoio" governamental ao muito mais importante trabalho das farmacêuticas. Mas Mazzucato demonstra que estes Institutos foram responsáveis por 75% dos maiores avanços conhecidos, entre 1993 e 2004.

Marcia Angell, antiga editora do The New England Journal of Medicine, descobriu que as novas entidades moleculares que tinham prioridade como possivelmente conducentes a avanços significativos no tratamento médico eram sobretudo criadas pelo governo. Como refere em The Truth About the Drug Companies (2004), apenas três dos sete medicamentos de alta prioridade em 2002 tiveram origem em farmacêuticas: o Zelnorm foi desenvolvido pela Novartis para tratar a síndrome do intestino irritável, a Gilead Sciences criou o Hepsera para a hepatite B e o Eloxatin foi criado pela Sanofi-Synthélabo para o cancro do cólon. Isto está muito longe da afirmação de que é o sector privado que realiza quase todas as inovações.

A ascensão de Silicon Valley, o centro de alta-tecnologia americano em Palo Alto, Califórnia, é supostamente o exemplo por excelência de como as ideias empreendedoras tiveram sucesso sem a direção do governo. Como Summers descreve, as novas ideias económicas "nasceram das lições da experiência de sucesso da descentralização num local como Silicon Valley". De facto, foram os contratos militares para a investigação que deram o impulso inicial às empresas do Valley e a política de defesa nacional influenciou intensamente o seu desenvolvimento. Só 27 das 100 invenções mais importantes registadas pela R&D Magazine nos anos 2000 foram feitas por uma firma, em contraponto com as criadas só pelo governo ou por uma colaboração entre entidades financiadas pelo governo. Entre desenvolvimentos recentes dos laboratórios do governo encontra-se um programa de computador para acelerar significativamente a busca e processamento de dados, e o Babel, que traduz linguagens de programação

Comentário de C&T: Recentemente temos acompanhado a luta do Dr. Hemerson Casado Gama (Maceió - Alagoas) para sensibilizar as autoridades (Governo e Congresso Nacional) para investirem na viabilização de estudos científicos no tratamento da ELA (esclerose lateral amiotrófica) no Brasil, mas este assunto parece ser pouco importante para os gestores do dinheiro público, o que fazem é muito pouco diante do potencial que o Brasil tem para se tornar uma referência na comunidade científica do planeta.

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