Número de exames e cirurgias aumenta progressivamente e levanta
debate sobre prescrições desnecessárias.
RIO - Em tempo de rápidos avanços tecnológicos,
para tudo parece haver um novo exame, uma nova droga ou um nova cirurgia que
resolva qualquer doença. A tendência é pensar que pecar pelo excesso é ter a
certeza de que todas as chances de sucesso foram testadas. Mas este
comportamento, que tem aumentado o número de prescrições, pode trazer riscos ao
paciente, exposto a exames e procedimentos invasivos e, muitas vezes,
desnecessários.Para se ter ideia, o Instituto do Coração da UFRJ compilou dados
do Datasus 2011 referentes a exames e procedimentos cardíacos, e os números são
alarmantes. Em dez anos, houve aumento de 500% das coronariografias (exame das
artérias coronárias), chegando a 120 mil em 2010. No estado do Rio, a situação
é mais preocupante: o crescimento foi de 800% em sete anos, atingindo 9 mil
prescrições. Já a angioplastia (cirurgia de desobstrução da artéria) cresceu
55% em cinco anos no Brasil, e chegou a 56 mil em 2010. O aumento no estado foi
de 100%, e agora registra 3,8 mil.
Enquanto isto, a taxa de coronariografias normais
no Brasil é de 60%. Segundo o diretor do Instituto do Coração da UFRJ, o
professor de cardiologia Nelson Souza Silva, o índice aceitável seria de 15%.
Ou seja, estão sendo prescritos mais exames do que o adequado.
— Há 20 anos, o índice era de 15%, porque o médico
era mais cuidadoso. Hoje, os exames e os procedimentos estão muito mais à mão,
mas seu uso abusivo é maléfico. Exercício físico e dieta ainda são as melhores
prescrições — afirma Souza Silva, que citou o exemplo do stent cardíaco. — A
última revisão sistemática apontou não haver redução de mortalidade e, mesmo
assim, foram feitas mais de 1 milhão de aplicações nos Estados Unidos. O
procedimento tem risco de morte de 1,5%.
'Overtreatment' preocupa outros países
A tendência é mundial. A Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estabeleceu um ranking de seus 35
países membros sobre o índice de realização de angioplastias por 100 mil
habitantes em 2011. A Alemanha está em primeiro, com 582; seguido por Bélgica
(427) e Estados Unidos (377). Na comparação com o ano 2000, dos 35 membros,
apenas dois tiveram diminuição de cirurgias (de apenas 1,2%), os demais
chegaram a quase 15% de acréscimo.
Esses números têm assustado entidades de saúde de
alguns países, e o chamado “overtreatment” já é um assunto preocupante. Em junho,
um chamamento público da Universidade Bond, da Austrália, divulgado no “British
Medical Journal”, convocou especialistas de todo o mundo para uma conferência
sobre o problema, que deverá ser realizada no ano que vem nos Estados Unidos.
Em abril, um grupo de sociedades médicas americanas publicou uma lista
questionando a prescrição excessiva de alguns exames, como tomografia
computadorizada cerebral, raio-X e ressonância magnética, que expõe o paciente
à radiação.
Além disso, no início deste mês, a gigante rede
particular HCA foi denunciada nos EUA porque alguns de seus médicos tinham um
esquema para realizar, sem necessidade, cirurgias cardíacas em pacientes.
No Brasil, a discussão ainda engatinha. O professor
Souza Silva, por exemplo, criticou a falta de dados referentes ao tema em
órgãos de saúde, e diz que a própria UFRJ levantou as informações. A Agência
Nacional de Saúde (ANS) diz ter um “rol de procedimentos”, uma espécie de boas
práticas de médicos e operadoras; quando recebe reclamações relativas à
questão, as encaminha aos conselhos de medicina. O Conselho Federal diz que
pune seus associados (em última instância) com base no código de ética, mas não
sabe informar o número de autuações.
— Há a instalação de sindicância para investigar os
indícios. As penas previstas em lei vão desde uma advertência confidencial até
a cassação do exercício profissional — explicou o vice-presidente, Carlos Vital
Corrêa Lima.
Os casos mais graves podem ser levados à Justiça
comum, e geralmente recaem em “erro médico”. Numa pesquisa no Tribunal de
Justiça do Rio, O GLOBO encontrou cinco processos relativos à prescrição de
procedimentos cirúrgicos injustificados desde 2006. No mais recente, deste mês,
uma paciente da Casa de Caridade de Araruama, no Estado do Rio, recebeu
indenização de R$ 25 mil por ter sido diagnosticada com gravidez tubária e
submetida a intervenção cirúrgica, enquanto, na verdade, tinha endometriose, o
que poderia ter sido tratado com medicamento.
Para o diretor da Clínica São Vicente, Luiz Roberto
Londres, o excesso de exames e procedimentos está relacionado à má qualidade do
ensino:
— A formação do médico está caindo. Uma consulta
tem três partes: conversa, exame físico e prescrição de exames. Uma simples
conversa de um médico bem preparado leva a 90% dos diagnósticos. Depois, há
alguns exames, mas que são complementares.
Desde 2007, o Ministério da Educação informou ter
retirado 1.100 vagas dos cursos de medicina de 31 instituições, por estas não
terem preenchido os requisitos mínimos.
Também coordenador do Núcleo de Avaliação
Tecnológica em Saúde, Nelson Souza e Silva diz que o cerco da indústria
farmacêutica é outro fator que leva às práticas abusivas.
— A tecnologia aumenta a qualidade de vida. Mas
muitos produtos vêm sem embasamento, e pior, há estudos manipulados. Fora o
assédio aos médicos, que recebem vantagens pelas prescrições. Isto é corrupção
— alerta.
Nota de C&T:
Concordo com as opiniões dos experientes
profissionais - Luiz Roberto Londres e Nelson
Souza e Silva, porém entendo que seria importante acrescentar os seguintes
fatos: A maioria dos laboratórios de análises e diagnósticos pertencem a
médicos, muitas vezes são eles mesmos os prescritores dos exames e de alguns
procedimentos já direcionando seu paciente para seus estabelecimentos. A
popularização dos planos de saúde que pagam contas altas, repassando para o
assegurado é claro, e que não estão sendo auditados com eficácia tais procedimentos.
No Nordeste o principal plano de saúde é uma cooperativa de médicos, portanto,
tudo fica entre eles. Basta saber que esta cooperativa tem muitos de seus
diretores médicos, prescritores e proprietários de clínicas de diagnósticos/imagens
e laboratórios de análises. Alguns médicos recebem destes benefícios para
encaminhar pacientes de forma direta ou indireta para seus serviços. Ex:
disponibilidade de consultórios todo equipado gratuitamente ou com contrato de
locação fictício ou com valor simbólico para que baterias de exames sejam encaminhadas
para seus serviços.
A principal questão é: Falta de ética e de respeito
ao próximo, para muitos o que realmente vale é o dinheiro.
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