Por JONATHAN D.
ROCKOFF
Doenças raras sempre foram deixadas em segundo plano pelas
farmacêuticas, que queriam remédios que pudessem ser vendidos para milhões de
doentes. Hoje, porém, enfermidades que afligem um número muito menor de pessoas
despertam um interesse cada vez maior no setor.
Um remédio da Sanofi SA tornou-se recentemente o segundo tratamento em dois meses a ser
aprovado contra uma desordem hereditária dos níveis de colesterol que
geralmente é fatal. O remédio injetável, chamado Kynamro, vai agora concorrer
com o Juxtapid — uma pílula da Aegerion Pharmaceuticals Inc. que recebeu luz verde dos
reguladores no mês passado — no tratamento de uma doença que afeta só alguns
milhares de pessoas nos Estados Unidos.
A Pfizer Inc. e a GlaxoSmithKline PLC são algumas das empresas que têm pesquisado
tratamentos para a distrofia muscular de Duchenne, uma doença hereditária que
afeta um em cada 3.600 bebês do sexo masculino. A Shire PLC e a BioMarin Pharmaceutical Inc. estão procurando remédios para
uma desordem metabólica rara chamada síndrome de Sanfilippo, que atinge um em
cada 70.000 recém-nascidos.
Essa disputa no tratamento de doenças raras ressalta como mudanças na
dinâmica comercial e uma compreensão maior das origens moleculares das doenças
estão levando a indústria farmacêutica para novos caminhos.
Os incentivos da FDA, a agência americana que regula alimentos e
remédios, para o desenvolvimento das chamadas "orphan drugs" — ou
drogas órfãs — podem significar aprovações mais rápidas, benefícios fiscais
para as farmacêuticas e uma proteção de sete anos contra concorrência depois da
aprovação (as drogas convencionais geralmente recebem cinco anos). Grupos de
pacientes levantaram centenas de milhões de dólares para dar às empresas que
desenvolvem drogas órfãs, definidas como tratamentos experimentais para doenças
que nunca têm mais de 200.000 pacientes num dado momento.
Mas o mais persuasivo dos incentivos talvez seja a descoberta das
farmacêuticas de que podem cobrar preços salgados por esses remédios, os quais
quase sempre se tornam uma das poucas opções de tratamento para doenças fatais.
As grandes farmacêuticas haviam "pensado que as drogas órfãs eram
coisas minúsculas que não mereciam atenção", diz Angus Russell,
diretor-presidente da Shire, que fabrica alguns dos remédios mais vendidos
contra desordens raras de enzimas.
As grandes farmacêuticas viram a Shire e outras firmas
"desenvolverem drogas que acabaram" gerando receitas de centenas de
milhões, se não bilhões, de dólares e logo foram atrás, diz ele.
É verdade que um preço anual de seis dígitos para cada paciente põe em
dúvida a capacidade das farmacêuticas de sustentar seus custos diante do
esforço crescente das pessoas em controlar seus gastos com saúde. A
concorrência pode também baixar os preços.
O Kynamro, o remédio contra o colesterol, será vendido a um preço menor
que seu concorrente Juxtapid. Mas o Kynamro ainda assim custará ao doente US$
176.000 por ano, segundo a Genzyme, a unidade da Sanofi que desenvolveu a droga
com a Isis Pharmaceuticals Inc. Um ano de tratamento com o
Juxtapid custa de US$ 235.000 a US$ 295.000, dependendo do estágio do
tratamento, diz Marc Beer, diretor-presidente da Aegerion.
Quando o congresso americano criou o termo "droga órfã", em
1983, as farmacêuticas trabalhavam em um novo remédio do tipo a cada ano,
segundo a FDA. Agora, a agência afirma que quase 200 drogas órfãs começam a ser
desenvolvidas todo ano e cerca de um terço dos remédios que ela aprova são para
doenças raras.
Francois Nader, diretor-presidente da NPS Pharmaceuticals Inc., que no fim de 2012 teve um
remédio para uma doença rara do intestino aprovado pela FDA, diz que mudanças
na ciência e na economia viabilizaram esse mercado. Os pesquisadores de drogas
podem identificar com antecedência "os pacientes que se beneficiariam de
um certo remédio, em vez de usar o modelo de um remédio para todo mundo como no
passado", diz ele.
O remédio da NPS para o intestino, o Gattex, custou US$ 250 milhões para
ser desenvolvido. O valor é bem inferior ao US$ 1 bilhão ou mais que poderia
custar para lançar uma droga de uso mais amplo, em parte porque os testes
clínicos requeridos precisaram de bem menos pacientes e foram mais rápidos, diz
Nader. O Gattex custa US$ 295.000 por ano para o doente.
Graças a esses preços altos, quase um terço das drogas órfãs somam mais
de US$ 1 bilhão em vendas anuais, segundo uma amostra examinada pela Thomson
Reuters. A categoria gera mais de US$ 50 bilhões em receitas no mundo todo e
teve um crescimento anual de mais de 20% nos últimos anos.
Até agora, os planos de saúde privados e os governos têm aceitado pagar
por esses remédios caros. As doenças são tão raras que cada plano pode ter que
pagar por apenas um paciente. Além disso, os tratamentos são geralmente uma
questão de vida ou morte e assim fica difícil para as administradoras dos
planos recusá-los.
"No futuro, haverá mais pressão sobre os preços" à medida que
essas caras drogas órfãs se proliferarem, diz Rhonda Greenapple, fundadora da
Reimbursement Intelligence, uma firma de pesquisa de mercado do setor
farmacêutico que monitora planos de saúde. "Mas, no momento, [os planos]
não podem fazer quase nada" para limitar o acesso.
No caso da doença rara do colesterol, conhecida como hipercolesterolemia
familiar homozigótica, os recém-aprovados remédios Kynamro e Juxtapid "vão
suprir uma necessidade muito grande", diz Steven Jones, diretor de
cardiologia do Hospital americano Johns Hopkins.
Pacientes com a doença têm um defeito nos genes que ajudam o corpo a
eliminar o colesterol ruim, ou LDL, da circulação sanguínea. Como resultado,
mesmo crianças podem ficar com níveis de colesterol de até 400 miligramas ou
mais por decilitro de sangue — três ou quatro vezes o nível recomendado. A
desordem pode causar ataques cardíacos, derrames e a morte, geralmente antes
dos 30 anos.
Christian Jacobs, de 21 anos, que frequenta uma escola técnica em Ohio,
foi diagnosticado quando tinha dois anos com um nível de colesterol LDL de 957
miligramas por decilitro. Ele toma seis remédios para o colesterol, tem stents
(pequenos tubos) desbloqueando sete artérias e se submete a uma sessão de
filtragem de colesterol a cada duas semanas, mas seu colesterol permanece acima
de 500.
Jacobs diz que o Kynamro baixou seu colesterol para 250 num teste
clínico e que o plano de saúde de sua família aprovou o reembolso do tratamento
com o Juxtapid, que ele deve começar logo. Se um remédio "não funcionar,
eu tenho o outro", diz ele.
Ambos os remédios vêm com sérios alertas sobre os riscos de danos ao
fígado no longo prazo, pois são associados a anormalidades ligadas a enzimas no
fígado e à acumulação de gordura no órgão, o que pode provocar doenças
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