domingo, 28 de julho de 2013

Livro que o Papa Francisco nega sua participação a favor da ditadura argentina.


Resposta às "calúnias"
 
Em livro de entrevistas, Bergoglio nega ter facilitado o sequestro de dois jesuítas pela ditadura argentina
 
Acusado de ter colaborado com a ditadura na Argentina, em um livro de entrevistas aos jornalistas Sergio Rubin e Francesca Ambrogetti, recentemente publicado na Itália, Papa Francesco: Il Nuovo Papa si Racconta (Salani, 189 págs., 10,97 euros), diz jamais ter colaborado com a ditadura. As respostas do argentino Jorge Mario Bergoglio são simples e várias passagens iluminadoras. O Santo Padre, eleito em 13 de março, repete as palavras de Jesus ao falar da ditadura argentina: “Perdoo (os militares e torturadores), mas não me esqueço”.
Após o golpe de 1976, a Igreja Católica foi vista como omissa e vários de seus clérigos, inclusive Bergoglio, foram acusados até de cumplicidade com os militares responsáveis pelas mortes ou desaparecimentos de 30 mil cidadãos. Em abril de 2010, o diário argentino Página 12 afirmou em reportagem de capa que em maio de 1976 Bergoglio esteve envolvido nos sequestros, realizados por oficiais navais, dos jesuítas Orlando Yorio e Francisco Jalics. Ambos ficaram detidos por cinco meses, período em que foram drogados e torturados.
O maior acusador do atual papa chama-se Horacio Verbitsky, autor do livro El Silencio. Alega que Bergoglio fazia parte da hierarquia da Companhia de Jesus e que por motivos ideológicos teria cancelado a ordem de proteção dos dois sacerdotes, abrindo assim caminho para serem sequestrados. Várias das acusações do livro de Verbitsky são baseadas em entrevistas com Jalics. E há outras testemunhas, inclusive uma prisioneira que esteve com os jesuítas cativos. Uma denúncia contra Bergoglio já havia sido feita pelo advogado Marcel Parrilli, em abril de 2005, às vésperas do conclave que elegeu Bento XVI.
Quando da eleição do papa Francisco, numerosos diários europeus não falaram do assunto, preferiram não adentrar a esse sinuoso debate. No entanto, Ezio Mauro, do diário italiano La Repubblica, escreveu: “O papa Francisco deverá compreender que entre seus deveres universais há também aquele de total transparência sobre seus elos com a ditadura militar argentina (...) Terá de fazê-lo para ter as mãos livres”.

Em Papa Francesco: Il Nuovo Papa si Racconta, o pontífice dá sua versão dos fatos para sustentar que as acusações não passavam de “calúnias”.  E enfatiza: “Nunca os expulsei (Yorio e Jalics) da ordem e não queria que permanecessem sem proteção”. Francisco lembra que Yorio e Jalics pretendiam deixar a Companhia de Jesus em 1976, quando atuavam na favela de Bajo Flores, em Buenos Aires, para criar uma congregação religiosa. Os superiores dos jesuítas os intimaram a escolher entre a favela e a Companhia de Jesus. Yorio deixou a Companhia, mas Jalics, que havia prestado um juramento solene e somente o papa poderia aceitar seu pedido, ficou na Companhia. “Eu os adverti a ficar bastante atentos”, afirma Bergoglio.
Os dois missionários foram presos. O papa Francisco diz que rezou até uma missa para o ditador Jorge Videla para poder ter uma audiência com o objetivo de liberar os jesuítas. Jalics, que permaneceu na Companhia de Jesus, continuou próximo a Bergoglio. Quando passava por Buenos Aires sempre o procurava. De todo modo, Francisco não se refere a Yorio no livro. Bergoglio diz, ainda, que em 1976 era muito jovem (tinha, porém, 40 anos), e não sabia avaliar o que estava acontecendo no país. Não deixa de ser surpreendente que um jesuíta maduro, em contato com o povo, não percebesse o que de fato ocorria. O entrevistado afirma que os dois jesuítas foram soltos graças aos esforços da Companhia de Jesus, e pelo fato de eles não serem “subversivos”. Não está claro se para ele os “subversivos” seriam tão ruins quanto os ditadores. Reconhece, contudo, que a Igreja não fez muito contra a ditadura e, realmente, em 2000 fez um mea-culpa.
Não há razões para duvidar das palavras do papa, embora ele pareça ter-se comportado de forma bastante ingênua, quando não confusa e omissa. Mas, ao contrário de Bento XVI, que admitiu ter pertencido à Juventude Hitlerista, Francisco quer reformar a Igreja. O indivíduo tem o direito de mudar de ideia e, com a idade, ganha sabedoria, como diz o próprio Francisco. Assim como João Paulo II e Bento XVI, ele nunca simpatizou com a Teologia da Libertação, mescla de catolicismo e engajamento político a favor dos perseguidos, algo visto pelos conservadores como um movimento marxista. No entanto, ao ser eleito, Francisco fez um gesto simbólico: beatificou Oscar Romero, bispo salvadorenho assassinado por extremistas de direita em 1980 e considerado mártir da Teologia da Libertação. Desde 2005, Bento XVI havia proibido sua beatificação.

Bergoglio hoje surge em cena como um radical. O primeiro papa não europeu desde o sírio Gregório III, no século VIII, quer criar uma “Igreja pobre para os pobres”. Desafia assim os donos do poder em um mundo globalizante dominado pelas oligarquias financeiras e pela tecnologia. Nas palavras de Gaetano Lettieri, professor de História do Cristianismo e das Religiões da Universidade La Sapienza, de Roma, “Francisco usa a simplificação como um desafio cultural para transmitir uma linguagem mais radical”.
Ao ser eleito, disse: “Foram buscar um papa no fim do mundo”.  A mensagem do pontífice, segundo Lettieri, foi esta: “Para entender Cristo é preciso adentrar a pobreza, quiçá no fim do mundo, do ponto de vista social e econômico”. O Evangelho nasce desse patamar fundamental: a pobreza. Segundo essa lógica, o papa vai à periferia e, como todo jesuíta, é um missionário.

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