Duas velocidades incompatíveis ameaçam o
tratamento mundial de doenças causadas por bactérias.
Ao mesmo tempo em que a indústria
farmacêutica do planeta reduziu a produção de novos antibióticos, os casos de
bactérias multirresistentes aos remédios disponíveis estão em plena aceleração.
Os números já alarmaram a Organização Mundial
de Saúde (OMS) que, em relatório divulgado no ano passado, informou: oito das
15 farmacêuticas produtoras de antibióticos perderam o interesse em atuar na
elaboração de fármacos mais potentes. Os dados, publicados em artigo na revista
The Economist, contabilizam o prejuízo. “Entre 1983 e 1992, as agências
reguladoras de novos medicamentos aprovaram 30 drogas do tipo. Desde 2003, no
entanto, apenas sete antibióticos chegaram ao mercado”.
Enquanto isso, as autoridades sanitárias,
incluindo a do Brasil, registram o aparecimento veloz de bactérias causadoras
de pneumonias e outras doenças que simplesmente não reagem às medicações
existentes, como os últimos casos registrados em unidades de terapia intensiva
(UTI) de Porto Alegre (Rio Grande do Sul) .
O ideal, afirmam os especialistas, seria
investir em tratamentos pioneiros para vencer os agentes bacterianos
multirresistentes e que provocam mortes, características de 20, 2% das
bactérias que circulam no Brasil , conforme atestou o estudo internacional
chamado Sentry, feito com base em 325 amostras de bactérias do pneumococo que
circulam no País.
A falta de novidades terapêuticas impede, no
entanto, este tipo de investida e deixa os médicos com pouca munição para
tratar as doenças bacterianas líderes em causa de internação.
Um levantamento feito pelo iG no banco de
dados do Ministério da Saúde indica que são, em média, 1.300 internações
diárias em hospitais públicos acumuladas só por causa da pneumonia .
Apelo
Com esta realidade clínica, um grupo de
especialistas de diversas nacionalidades, entre eles a médica brasileira Rosana
Richtmann, publicou um apelo na revista médica The Lancet alertando que “um dos
tesouros da medicina” está ameaçado de extinção.
“Apelamos aos nossos colegas em todo o mundo
para assumir a responsabilidade para a proteção desse precioso recurso [os
antibióticos]. Não há mais tempo para o silêncio e a complacência”, diz o
manifesto divulgado em 2011.
Dois anos se passaram desde a convocação
feita pelo Lancet e o quadro crítico não foi alterado, lamenta Richtmann, do
Instituto de Infectologia Emílio Ribas e do comitê de Imunização do Ministério
da Saúde e da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim).
Leia: Alerta médico sobre a resistência
bacteriana
“Acabo de voltar de um congresso na Europa
muito preocupada e desanimada. Não tivemos nenhum lançamento de impacto no
cenário dos antibióticos em 2012”, afirmou ela.
“As informações são de que não temos nada
programado para 2013. Assim, ficamos de mão atadas”, completou.
A origem
Marcos Antonio Cyrillo, diretor da Sociedade
Brasileira de Infectologia (SBI), pontua os fatores que contribuem para a
letargia industrial na produção de novos antibióticos. Segundo ele, os
medicamentos desta classe são usados por pouco tempo, mas exigem ao menos 10
anos de pesquisa.
Diferentemente dos remédios para doenças no
coração, que serão usados a vida toda, eles agem em problemas pontuais,
revertidos em poucas semanas.
Além disso, as patentes que regem a
exclusividade na produção são expiradas após cinco anos, o que desestimula o
investimento financeiro.
Somado a este contexto, está o mau uso dos
antibióticos, tanto por parte dos médicos quanto da população.
Leia mais: Os principais erros ao tomar
remédios
Prescrever medicamentos deste tipo para
doenças causadas por vírus ou parar o tratamento antes do prazo acelera o
processo que faz a bactéria virar multirresistente. Isso torna, em poucos anos,
o antibiótico obsoleto.
“O poder público, as universidades e as
sociedades médicas deveriam estabelecer programas de cooperação para pesquisa,
pois temos os profissionais capacitados, tecnologia adequada e os
pacientes-alvo dos estudos científicos”, acredita Cyrillo.
Sem os novos fármacos e sem a mudança de
hábitos por parte da população – que além da prescrição responsável também
exige medidas de higiene, como lavar as mãos – as bactérias ficarão ainda mais
protegidas e os pacientes cada vez mais vulneráveis.
Novas e velhos
Enquanto novas bactérias só contam com velhos
antibióticos, os médicos recorrem a alquimias, esperando efeito positivo.
“Nestes casos, utilizamos associações de
antibióticos, aumentamos as doses e utilizamos princípios de farmacocinética e
farmacodinâmica”, explica Cyrillo sobre os processos que buscam otimizar doses
e tempo de duração.
A esperança para mudar o contexto vem do
aperfeiçoamento das técnicas preventivas às doenças bacterianas, como novas
vacinas que impedem a contaminação por microrganismos bacterianos, transmitidos
pelo ar.
Segundo os especialistas, vem também da
iniciativa das pessoas de atentarem para a importância de que lavar as mãos
salva vidas e de que o tesouro da medicina chamado antibiótico precisa ser
usado com cautela
Fonte: http://www.alagoas24horas.com.br/conteudo/?vEditoria=Sa%FAde&vCod=149781
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