Documentos
publicados na internet mostram que ONG mobiliza esforços e grandes doadores para
contestar aquecimento global.
NOVA YORK - Documentos vazados na internet sugerem que
uma organização conhecida por atacar a ciência do clima estaria planejando uma
nova ação para tentar minar o ensino do aquecimento global em escolas públicas
dos Estados Unidos. Eles são de uma organização sem fins lucrativos em Chicago
chamada de Instituto Heartland. O plano é promover um currículo que venha a
lançar dúvidas sobre a constatação científica de que as emissões de
combustíveis fósseis põem em perigo o bem-estar a longo prazo do planeta.
“Diretores e professores estão fortemente inclinados na direção de uma
perspectiva alarmista”, relata o documento.
Antes mesmo do vazamento deste documento, cujos termos
oferecem uma amostra dos argumentos da campanha contra a ciência do clima,
especialistas que defendem o ensino de ciências já estavam se preparando para
uma batalha. Eles alertam que os esforços para minar as matérias que tratam de
aquecimento global estão se espalhando pelos Estados Unidos e temem uma luta semelhante
à travada no ensino da evolução nas escolas públicas.
Em um memorando, o Instituto Heartland reconheceu que alguns
dos seus documentos internos tinham sido roubados. Seu presidente, em nota, não
confirmou se as versões que circulam na internet desde a última terça-feira
foram modificadas ou não, alegando falta de tempo para checar estas
informações.
A ONG declarou, em um comunicado de duas páginas, que os termos dos documentos vazados
tinham sido falsificados. Porém, o tom e o conteúdo deles foram considerados
muito parecidos com o de outros documentos não contestados. Além disso, o
Instituto chegou a se desculpar com doadores cujos nomes foram divulgados
nestes vazamentos, reforçando a ideia de que eles são autênticos.
Muitos detalhes das operações da ONG, incluindo salários
e as ações recentes para angariar recursos, estão descritas. Os documentos
foram enviados por e-mail para ativistas climáticos por um remetente que usou o
nome “de dentro do Heartland". Rapidamente o material foi republicado em
sites que abordam as mudanças climáticas.
A ONG, por sua vez, alegou que os documentos não são de
uma pessoa de dentro da instituição, mas foram obtidos por alguém que fingiu
ser membro do conselho do grupo e alegou que seu próprio endereço eletrônico
estava sendo alterado. “Temos a intenção de encontrar essa pessoa e vê-la
colocada na prisão por esses crimes”, disse a organização.
Embora seja mais conhecida nacionalmente por seus ataques
contra a ciência do clima, a Heartland se define como uma organização
libertária, com interesses em uma ampla gama de questões de políticas públicas.
Nos documentos vazados há a estimativa de levantar 7,7 milhões dólares neste
ano.
Os vazamentos põem em dúvida se o grupo tem realizado
atividades políticas partidárias, uma potencial violação da lei de imposto
federal americana para grupos sem fins lucrativos. Por exemplo, o tópico do
documento chamado “Operation Angry Badger” é um plano para gastar 612 mil
dólares e influenciar o resultado de plebiscitos em Wisconsin sobre o papel dos
sindicatos do setor público.
Tributaristas disseram nesta quarta-feira que grupos
isentos de impostos foram autorizados a realizar alguns tipos de lobby e de
política educacional, mas, por serem subsidiados pelos contribuintes, são
proibidos de ter envolvimento direto em campanhas políticas.
Os documentos também mostram que o grupo recebeu dinheiro
de algumas das maiores corporações do país, incluindo algumas que há muito
defendem a luta contra a mudança climática.
Os documentos normalmente dizem que essas doações foram
destinadas a projetos não relacionados à mudança climática, como a publicação
de boletins sobre direitos, drogas e política tecnológica. No entanto, várias
das empresas se apressaram na quarta-feira a se desassociar da postura desta
ONG.
- Nós não endossamos ou apoiamos os seus pontos de vista
sobre o ambiente ou a mudança climática - disse Sarah Alspach, porta-voz da
GlaxoSmithKline, uma empresa farmacêutica multinacional que figura nos
documentos como doadora de 50 mil dólares nos últimos dois anos para apoiar um
boletim médico.
Um porta-voz da Microsoft, outra doadora listada, disse
que a empresa acredita que “a mudança climática é uma questão séria que exige
ação imediata em todo o mundo.” A companhia é apresentada nos documentos como
tendo contribuído 59,9 mil dólares no ano passado para um boletim de notícias
de tecnologia. Porém, o porta-voz da Microsoft, Mark Murray, disse que esta não
era uma contribuição em dinheiro, mas sim o valor do software livre que a Microsoft
dá a milhares de grupos sem fins lucrativos.
Talvez o aspecto mais intrigante dos documentos Heartland
seja o que eles não contêm: a evidência de contribuições das grandes empresas
petrolíferas de capital aberto, que ambientalistas suspeitam de financiar
secretamente os esforços para minar a ciência do clima.
Os interesses do setor de petróleo, porém, estão
representados. Os documentos dizem que a Fundação de Caridade Charles G. Koch
contribuiu com 25 mil dólares no ano passado. Esperava-se que ela contribuísse
com 200 mil este ano. Koch é um dos dois irmãos que foram proeminentes
defensores de causas libertárias, bem como de outras obras de caridade. Eles
controlam as indústrias Koch, uma das maiores empresas do país e refinadora de
petróleo.
Os documentos sugerem que a Heartland gastou vários
milhões de dólares nos últimos cinco anos em seus esforços para minar a ciência
do clima, em grande parte financiada por um “doador anônimo”. Desde
quarta-feira começou um jogo de adivinhação sobre quem ele deve ser.
Os documentos dizem que entre 2010 e 2013, o grupo espera
ter investido cerca de 1,6 milhão de dólares em financiamento do Painel
Não-Governamental Internacional sobre Mudança Climática, uma entidade que
publica relatórios periódicos atacando a ciência do clima e que realiza muitas
conferências anuais.
O plano mais recente da Heartland, os documentos dizem, é
criar um currículo para as escolas públicas no qual a ciência do clima é
questionada. Para isso, a ONG separou 200 mil dólares em 2012. O currículo
diria, por exemplo, que “se os seres humanos estão mudando o clima é uma grande
controvérsia científica”.
O que, de fato, não é uma controvérsia científica. A
grande maioria dos cientistas do clima dizem que as emissões geradas por seres
humanos estão mudando o clima, colocando o planeta em risco a longo prazo,
embora não tenham certeza sobre a magnitude exata desse risco. Porém, há uma
grande controvérsia política se, e como, o país vai conter suas emissões de
gases de efeito estufa.
O Centro Nacional para Educação Científica, um grupo que
teve um sucesso notável na luta para melhorar o ensino da evolução nas escolas
públicas, colocou recentemente a questão das mudanças climáticas em sua agenda
em resposta aos apelos dos professores que dizem se sentir sob pressão para
diluir a ciência .
Mark S. McCaffrey, diretor dos programas de políticas
para o grupo, que está em Oakland, Califórnia, disse que os documentos
Heartland revelaram que “eles continuam a promover dúvida, confusão e debate
onde não há realmente nada”.
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