15 Maio 2015
Crise
econômica ainda não atingiu fortemente o setor farmacêutico, mas já gera
redução de investimentos e não reposição do quadro de pessoal da indústria
farmacêutica. Especialistas analisam que ousadia e foco em prazos podem ajudar
o varejo neste momento de pessimismo.
O
crescimento de apenas 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano de 2014
evidenciou aquilo que empresários e economistas já previam desde a eleição do
ano passado: 2015 será um ano de recessão e mau desempenho da economia
brasileira.
Afetado
principalmente pela performance ruim da indústria nacional, que acumulou retração
de 1,2% no ano passado, o resultado do PIB mostra um país estagnado, à beira de
uma crise que pode resultar em retração ainda mais acentuada da economia
nacional.
As
previsões de analistas e do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam que,
neste ano, o Brasil tenha uma queda de 1% do PIB, que é a soma de todas as
riquezas produzidas no País. Na previsão da Confederação Nacional da Indústria
(CNI), entretanto, essa queda deve ser ainda mais acentuada: 1,2%. Mas até que
ponto essas previsões tenebrosas para a economia brasileira devem afetar a
indústria de medicamentos e o varejo farmacêutico?
Segundo
o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no
Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, as perspectivas não são
boas para o segmento, apesar da estabilidade relativa da demanda industrial do
setor.
De
acordo com dados do IMS Health, as vendas da indústria até fevereiro último
cresceram 8,33%, atingindo R$ 5,1 bilhões em relação ao mesmo período do ano
passado. Apesar da alta significativa, esse foi o pior desempenho bimestral do
setor desde 2010. Os números indicam uma desaceleração gradual da atividade
setorial que gera preocupações, avalia Mussolini.
“Nos
últimos anos, o setor foi mais resistente às crises em virtude do dólar mais
baixo e do nível de emprego. A situação agora nos parece mais nociva. O que nos
preocupa são justamente as taxas de desemprego. Se o governo conseguir manter o
emprego no atual patamar ao longo deste e do próximo ano, o setor deve ter
menos reflexo que os demais. Porque um trabalhador desempregado que sente dor
de cabeça entra no quarto, dorme e espera a dor passar. Já o que tem
emprego vai à farmácia e compra um medicamento, porque precisa continuar o dia
de trabalho”, comenta.
O
Sindusfarma afirma que até julho deste ano o segmento deve reavaliar o quadro
econômico nacional e decidir se dispensa ou não empregados para readequar os
custos. No curto prazo, a maior preocupação do setor reside no que Mussolini
chama de “queda da rentabilidade e do faturamento” do setor. Segundo ele, desde
2011, a rentabilidade dos laboratórios vem caindo, mas mascarada até então por
sucessivos aumentos de receita e demanda do setor.
Histórico dos fatos
Em
2014, a indústria farmacêutica cresceu 13%. Faturou R$ 65,7 bilhões, com 3
bilhões de embalagens vendidas, de acordo com os números da entidade. Porém,
para 2015, essa curva parece sinalizar para encolhimento do lucro dos
fabricantes e aumento dos custos de produção e com folha de pagamento.
“Desde
o ano passado, 90% dos insumos usados para fabricação de produtos tiveram
aumentos significativos, bem acima do índice médio de reajuste de preços
aprovado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) neste ano,
que é de 6%. Isso prejudica a atividade do setor, que já reduz os planos de
investimento, não repõe o quadro de funcionários e trabalha com a hipótese de
redução iminente de pessoal”, alerta Mussolini.
Segundo
o Sindusfarma, em 2014, os custos de produção e insumos farmacêuticos cresceram
15% em média. Para 2015, algumas empresas do segmento já estimam gastar até 20%
mais na produção e compra de insumos importados para fabricação de produtos.
Como
se sabe, a maioria dos insumos usados na fabricação de medicamentos no Brasil é
importada e, portanto, submetida à variação cambial. Nos cálculos
da entidade, entre janeiro de 2012 e janeiro de 2015, o dólar subiu mais
de 44%. No período entre abril de 2014 e abril de 2015, o dólar saltou de R$
2,24 para R$ 3,06, aumento de 36% em 12 meses.
De
acordo com Mussolini, as empresas do setor vêm sinalizando que cortarão ao
menos 50% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento já neste primeiro
semestre de 2015. O setor também revisou para baixo as expectativas de
crescimento para o período, que não devem atingir os dois dígitos, como vinha
acontecendo nos últimos anos.
A
expectativa inicial era de avanço entre 9,5% e 10%, mas deve ser revisada
brevemente.
Atitudes esperadas
Para
o economista e professor do Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Educação
Continuada (Cpdec), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Rodnei
Domingues, os empresários optam por trilhar o caminho mais óbvio e fácil para
se protegerem do atual momento econômico do País.
“A
solução para enfrentar as dificuldades atuais é não se intimidar e não deixar
de investir. Em 2009, diante da crise que abalou os Estados Unidos e a Europa,
muitas empresas do ramo de medicamentos (indústria e comércio) não se intimidaram
e foram elas que ganharam mais participação de mercado e aumentaram seus
lucros. Vejo agora que a situação se repete”, afirma Domingues.
O professor da Unicamp não descarta problemas na demanda da indústria
farmacêutica neste ano, mas afirma que o setor deve ter um impacto muito menor
do que outros segmentos da economia nacional.
“Acredito
que a palavra crise pode ser muito forte para expressar o momento de
dificuldade que o Brasil está enfrentando. Não acredito que essas dificuldades
irão durar muito tempo. A indústria farmacêutica será menos afetada do que
outros segmentos, como construção civil, metal mecânica, autopeças e
montadoras, por exemplo. Os consumidores de medicamentos manterão o vigor do
varejo farmacêutico em 2015. Certamente não haverá o mesmo índice de
crescimento de anos anteriores, mas mesmo assim o segmento manterá sua
atratividade”, analisa Domingues.
Embora
um pouco menos otimista, a opinião é compartilhada pelo professor do Programa
de Administração de Varejo (Provar), da Fundação Instituto de Administração da
Universidade de São Paulo (FIA-USP), José Lupoli Júnior. Segundo ele, o atual
momento brasileiro tem muito mais relação com o cenário político do que
necessariamente com fundamentos da economia.
“A
atual crise é acima de tudo uma crise de confiança, que exigirá um tempo de
superação que pode ser curto ou longo, dependendo de como forem encaminhados os
protestos de rua contra o governo e as negociações no Congresso para aprovação
do Ajuste Fiscal proposto pela equipe econômica. Com o enfraquecimento dessa
oposição política nas ruas e no Congresso, o pessimismo tende a se dissipar. A
melhora, porém, também depende da lição de casa do governo em mostrar bons
números em relação à queda da inflação e ao nível de desemprego”, avalia Lupoli
Júnior.
Apesar
do otimismo, o professor do Provar-FIA avalia que ainda viveremos um processo
de piora do cenário econômico antes de observar uma reação substancial do
mercado local que permita a retomada das forças do mercado interno brasileiro.
“Dois
mil e quinze não será um ano fácil, porque o processo de incentivo do consumo
gerou um efeito colateral até aqui que é o alto endividamento das famílias. Com
o crescimento do desemprego, esse endividamento tende a se acentuar e gerar um
efeito espiral que dificulta a retomada no curto prazo. Apesar do setor
farmacêutico comercializar produtos de primeira necessidade para as pessoas,
não deve registrar uma queda brusca de encomendas ao longo do ano. Mas, com
certeza, haverá uma readequação e redirecionamento de produtos por parte do
consumidor, substituindo cada vez mais os medicamentos de referência por
similares ou genéricos, que historicamente cabem mais no bolso”, adverte o
economista.
Na
visão do empresário e presidente da Associação dos Farmacêuticos Proprietários
de Farmácias do Brasil (AFPFB) e da rede Farma & Farma, Rinaldo Ferreira, a
situação atual é também sinônimo de oportunidades. Ele defende que os
varejistas pequenos e independentes usem o momento de apreensão para cativar e
conquistar os clientes.
“O
paciente que precisa de remédio deixa de comer ou comprar um alimento para dar
conta do tratamento medicamentoso. Isso gera um alento que impede nosso
segmento de sentir as crises e os sobressaltos econômicos de forma mais dura.
Contudo, o cliente se sente mais cativado se observar que o comerciante oferece
oportunidades fora dos padrões nestes momentos de dificuldade. Alargar prazos
de pagamento, oferecer linha de crédito ou descontos maiores são atrativos que
certamente farão o cliente retornar à loja nestes tempos de desconfiança”,
comenta Ferreira.
O que se espera
A
solução definitiva para a atual situação, segundo Mussolini, é o governo
federal ampliar a participação no financiamento público da saúde em estados e
municípios, além de reduzir a carga tributária média de 33% que incide sobre os
medicamentos, hoje, no País.
O
executivo defende ainda uma revisão dos índices de reajuste dos medicamentos,
para que a indústria nacional seja mais competitiva e moderna e consiga sair da
defensiva.
“A
legislação atual de preços não dá conta da realidade do mercado. Entre 2006 a
2013, para reajuste de preços acumulado de 35,76%, a inflação geral atingiu
49,13% [Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)] e os aumentos de
salário concedidos pelo setor somaram 67,77%. Fica evidente que o modelo de
regulação econômica do mercado farmacêutico precisa ser revisto. E não apenas
para garantir o equilíbrio econômico-financeiro das empresas. O modelo deve
mudar para contemplar também a correta remuneração dos investimentos em
Pesquisa e Desenvolvimento. Nosso setor exige investimentos de alto risco. O
governo fala muito em criar uma indústria nacional de medicamentos que exporte
patentes, mas sem as condições necessárias, ninguém vai fazer investimentos dessa
natureza. Ficaremos sempre na rabeira dos mercados internacionais”, declara o
presidente executivo do Sindusfarma.
Autor: Rodrigo Rodrigues