A triste geração que virou escrava da própria
carreira
RUTH MANUS
29 Abril
2015 | 11:11
“E a juventude vai escoando entre os dedos.
Era uma
vez uma geração que se achava muito livre.
Tinha
pena dos avós, que casaram cedo e nunca viajaram para a Europa.
Tinha
pena dos pais, que tiveram que camelar em empreguinhos ingratos e suar muitas
camisas para pagar o aluguel, a escola e as viagens em família para pousadas no
interior.
Tinha
pena de todos os que não falavam inglês fluentemente.
Era uma
vez uma geração que crescia quase bilíngue. Depois vinham noções de francês,
italiano, espanhol, alemão, mandarim.
Frequentou
as melhores escolas.
Entrou
nas melhores faculdades.
Passou
no processo seletivo dos melhores estágios.
Foram
efetivados. Ficaram orgulhosos, com razão.
E veio
pós, especialização, mestrado, MBA. Os diplomas foram subindo pelas paredes.
Era uma
vez uma geração que aos 20 ganhava o que não precisava. Aos 25 ganhava o que os
pais ganharam aos 45. Aos 30 ganhava o que os pais ganharam na vida toda. Aos
35 ganhava o que os pais nunca sonharam ganhar.
Ninguém
podia os deter. A experiência crescia diariamente, a carreira era meteórica, a
conta bancária estava cada dia mais bonita.
O
problema era que o auge estava cada vez mais longe. A meta estava cada vez mais
distante. Algo como o burro que persegue a cenoura ou o cão que corre atrás do
próprio rabo.
O
problema era uma nebulosa na qual já não se podia distinguir o que era meta, o
que era sonho, o que era gana, o que era ambição, o que era ganância, o que
necessário e o que era vício.
O
dinheiro que estava na conta dava para muitas viagens. Dava para visitar aquele
amigo querido que estava em Barcelona. Dava para realizar o sonho de conhecer a
Tailândia. Dava para voar bem alto.
Mas,
sabe como é, né? Prioridades. Acabavam sempre ficando ao invés de sempre ir.
Essa
geração tentava se convencer de que podia comprar saúde em caixinhas. Chegava a
acreditar que uma hora de corrida podia mesmo compensar todo o dano que fazia
diariamente ao próprio corpo.
Aos 20:
ibuprofeno. Aos 25: omeprazol. Aos 30: rivotril. Aos 35: stent.
Uma
estranha geração que tomava café para ficar acordada e comprimidos para dormir.
Oscilavam
entre o sim e o não. Você dá conta? Sim. Cumpre o prazo? Sim. Chega mais cedo?
Sim. Sai mais tarde? Sim. Quer se destacar na equipe? Sim. Mas para a vida,
costumava ser não.
Aos 20 eles não conseguiram estudar para as provas da faculdade
porque o estágio demandava muito.
Aos 25
eles não foram morar fora porque havia uma perspectiva muito boa de promoção na
empresa.
Aos 30
eles não foram no aniversário de um velho amigo porque ficaram até as 2 da
manhã no escritório.
Aos 35
eles não viram o filho andar pela primeira vez. Quando chegavam, ele já tinha
dormido, quando saíam ele não tinha acordado.
Às vezes,
choravam no carro e, descuidadamente começavam a se perguntar se a vida dos
pais e dos avós tinha sido mesmo tão ruim como parecia.
Por um
instante, chegavam a pensar que talvez uma casinha pequena, um carro popular
dividido entre o casal e férias em um hotel fazenda pudessem fazer algum
sentido.
Mas não
dava mais tempo. Já eram escravos do câmbio automático, do vinho francês, dos
resorts, das imagens, das expectativas da empresa, dos olhares curiosos dos
“amigos”.
Era uma
vez uma geração que se achava muito livre. Afinal tinha conhecimento, tinha
poder, tinha os melhores cargos, tinha dinheiro.
Só não
tinha controle do próprio tempo.
Só não
via que os dias estavam passando.
Só não
percebia que a juventude estava escoando entre os dedos e que os bônus do final
do ano não comprariam os anos de volta.”
Texto extraído e republicado na íntegra de: http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/a-triste-geracao-que-virou-escrava-da-propria-carreira-2/
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