segunda-feira, 19 de março de 2012

Caminhos pecorridos até chegar a uma droga pronta para o consumo.


Eurotrials: estudo dos medicamentos minimiza riscos para farmacêuticas

19/03/2012 - 09:10

Maria João Queiroz é administradora e uma das fundadoras da Eurotrials. Esta é uma empresa privada, fundada em Lisboa em 1995. Maria João trabalha em investigação clínica e consultoria científica, áreas em que é especializada. A administradora adquiriu o know-how na Suíça e, a partir daí, começou a desenvolver o ser trabalho em Portugal.

Em entrevista ao jornal i, explica como funciona o trabalho que a Eurotrials desenvolve: “Trabalhamos em toda a cadeia de desenvolvimento dos novos medicamentos. Existe uma ideia e esta tem de ser testada através de testes pré-clínicos em animais, sempre com a maior segurança. Existe depois uma fase de testes em seres humanos. Esta fase de ensaios clínicos é muito regulamentada, seguindo as regras internacionais e necessitando de autorização prévia das agências reguladoras. Depois, esperamos pelos resultados. E no final do processo, temos a garantia de que o medicamento é seguro e eficaz para poder entrar no mercado. São as agências reguladoras que autorizam a entrada dos produtos no mercado. A Eurotrials está principalmente focalizada no desenvolvimento clínico de novos medicamentos e no seu estudo na fase da pós-comercialização. Nesta altura são estudados outros factores, como a segurança dos fármacos, a chamada farmacovigilância. É também aqui que entra a chamada farmacoeconomia, ou seja a avaliação de custos das tecnologias introduzidas no mercado e o impacto da introdução das terapêuticas na população. Estas tipologias de estudo pós-comercialização já seguem padrões diferentes. Os estudos não são experimentais, mas sim observacionais. É necessário ter em atenção os efeitos dos fármacos nas populações onde estes foram introduzidos, porque há populações que respondem melhor do que outras”.

Sobre os tipos de fármacos que podem ser destacados na investigação da Eurotrials, Maria João Queiroz esclarece: “Colaboramos muito nos estudos de doenças cardíacas. Os fármacos que têm vindo a ser desenvolvidos nesta área estão a diminuir a necessidade das cirurgias em casos como enfartes do miocárdio e angina de peito. Temos estado também presentes na oncologia, participando em grande parte dos estudos que envolvem medicamentos para este tipo de doenças. Trabalhamos nesta área desde que surgiram os primeiros medicamentos biológicos para tratar a doença. Os novos produtos têm evoluído muito rapidamente, com taxas de sucesso cada vez maiores.

“Temos feito avanços principalmente nos estudos no cancro do cólon, da mama e do pâncreas. Neste âmbito, temos igualmente colaborado numa nova tendência, que é a de, ao mesmo tempo que tratamos as pessoas, realizarmos estudos de biomarcadores. Ou seja, testes para determinar de que forma é que a genética da pessoa influi na resposta ao tratamento. É uma maneira de percebermos exactamente que medicamentos é que devem ser ministrados a determinado paciente”, acrescenta.

Questionada pelo i sobre que outros projectos se destacam no trabalho da Eurotrials, a administradora refere que “um dos primeiros projectos que desenvolvemos na Eurotrials, pelo qual temos um grande interesse, foi a colaboração no estudo de uma nova terapêutica para a doença dos pezinhos. Destaco aqui que estamos a falar de um estudo para uma doença tipicamente portuguesa. Os estudos são inúmeros e muito vastos, por isso vou apenas salientar um, relacionado com um novo conceito de vacina biológica”.

“Os medicamentos em que trabalhamos já são na sua grande maioria da área biotecnológica. No geral, cerca de 70% dos produtos já são de biotecnologia, nomeadamente estes de que já falei na área da oncologia. A área da biotecnologia está, para nós, dividida em duas vertentes. Trabalhamos com dois grandes grupos de clientes: o primeiro, que são as farmacêuticas e as biotecnológicas; e o segundo, que envolve grupos académicos que seguem as suas linhas de investigação, têm as suas ideias e que precisam de as passar para a fase de laboratório. Neste caso, ajudamo-los a desenvolver o produto. E ou percorre o mesmo caminho de qualquer produto, ou é abandonado por não obter bons resultados na fase laboratorial”, diz ao i.

A administradora da Eurotrials revelou ao i que “uma percentagem enorme de produtos nunca chega ao mercado. Em 5000 moléculas testadas em laboratório, apenas uma ou duas acabam por chegar ao mercado. Uma grande parte morre até chegar à parte pré-clínica”, e “este é o risco das empresas detentoras do medicamento. Não é o nosso caso. Nós trabalhamos com as empresas e para as empresas. O nosso risco é minimizado, porque somos contratados para colaborar, fornecer know-how e executar projectos na fase do desenvolvimento. Não somos os donos das patentes e por isso só somos atingidos parcialmente. O risco do insucesso é o risco das indústrias farmacêuticas e biotecnológicas e é normal que assim aconteça. A nossa função é contribuir para a diminuição desse risco. Vermos se é melhor interromper o projecto em determinada etapa, de forma a travar o prejuízo. Temos os departamentos organizados de forma a podermos ajudar o detentor do medicamento na fase do “go, não go”, ou seja, continuar ou parar”.

Questionada sobre como funciona a farmacoeconomia, Maria João Queiroz explica que “já há muito tempo que entrou nesta equação a variável preço e a variável custo. Uma nova terapêutica que entra no mercado já não tem de mostrar só que é eficaz e que é segura. Estas são as necessidades básicas. Mas também é preciso verificar o custo efectivo. A vertente preço e as relações custo/benefício e custo/efectividade passaram a ser factores muito importantes. O medicamento é analisado ao pormenor de forma a concluir-se com que preço é que chega ao mercado. E também se será ou não comparticipado pelo Estado e em que percentagem. Toda a vertente económica passou a ser uma determinante fundamental na equação. É necessário realizar estudos de farmacoeconomia. E é preciso analisar caso a caso. Todos os departamentos de investigação necessitam de aprovar os preços”.

“O problema da sustentabilidade dos medicamentos está cada vez mais na ordem do dia e não é um exclusivo de Portugal. É um problema comum a todos os sistemas de saúde que têm este tipo de modelo. Existe uma fortíssima monotorização nos dias de hoje que analisa as práticas, os fármacos e biofármacos e qual o impacto económico da difusão destes novos produtos no mercado versus o benefício que geram”, diz ao i.

A administradora defendeu que “temos de passar a pensar de outra maneira. Devíamos fazer estudos de avaliação. Por exemplo, para determinado problema dizemos que o doente deve fazer exames um determinado número de vezes, de tanto em tanto tempo. Mas será mesmo assim? Será que deve fazer exames todos os anos? Será que é suficiente fazê--los de dois em dois anos? Temos de ver quanto custam estes procedimentos e se trazem realmente o benefício esperado. A farmacoeconomia e a avaliação de tecnologias que já estão no mercado implicam, hoje em dia, este tipo de estudos”.

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