Nota de C&T:
Junto ao esposo dessa destemida mulher que lutou pelos seus ideais, outros nomes importantes tiveram suas vidas ceifadas da mesma forma como foi a vida de João Pedro Teixeira. Pagaram com suas vidas uma conta que não contraíram, mas a luta continua até hoje, não sei mais se com os mesmos ideais e espírito de luta em defesa do homem do campo. Muitos oportunistas se infiltraram na luta e fizeram dela seu palco de satisfações particulares.
"Elizabeth
Teixeira: 90 anos de luta
Publicado em Quarta, 11 Fevereiro 2015 17:52
Por
Renata Ferreira – créditos.
Ela abriu mão do conforto para viver o amor
ao lado de um trabalhador pobre e analfabeto. Com ele, formou família e ajudou
a construir a história do movimento sindical agrário no Brasil. A paraibana
Elizabeth Teixeira é a face feminina das lutas camponesas da metade do século
passado. Junto ao marido, João Pedro Teixeira, fundou, no município de Sapé
(PB), o maior sindicato de trabalhadores agrários do país até então. E assumiu
a liderança do movimento depois do assassinato dele, em 1962.
A trajetória de Elizabeth será lembrada na
próxima sexta-feira (13/2), quando ela completa 90 anos de vida. A celebração
vai ocorrer no Memorial das Ligas Camponesas, fundado no antigo sítio onde a
camponesa viveu com João Pedro e os 11 filhos, no distrito de Barra das Antas,
em Sapé (município a 65 quilômetros da capital do Estado, João Pessoa).
O imóvel de sete hectares foi tombado em 2012
pelo Governo do Estado da Paraíba e transformado em um espaço de resgate da
memória e homenagem aos trabalhadores que dedicaram a vida a lutar por
dignidade no campo e reforma agrária.
Universidades, sindicatos e movimentos
sociais estão engajados no evento, do qual devem participar filhos e netos de
Elizabeth e João Pedro. Pela manhã, as atividades serão fechadas aos parentes e
organizadores. “Será uma reunião de família”, explica o professor da UFPB
Antônio Alberto Pereira, um dos coordenadores do Memorial das Ligas Camponesas.
Às 14h, terá início o evento aberto a toda a
comunidade. O coral da Universidade Federal da Paraíba vai se apresentar
cantando o Hino do Camponês, acompanhado pela Orquestra Santa Cecília, de Sapé,
e sob a regência do próprio compositor da obra, o maestro Geraldo Menucci,
antigo militante do Movimento Cultural Popular. A letra da música é de
Francisco Julião, advogado, político e escritor que atuou com as ligas
camponesas de Pernambuco.
A parte cultural do evento terá também
apresentações de coco de roda e músicas populares. A organização espera reunir,
além de autoridades da região e representantes dos movimentos populares e
sindicais, crianças e jovens das escolas públicas de Mari, Sapé, Sobrado e Cruz
do Espírito Santo.
No sábado (14/2), haverá o lançamento do documentário "A família de Elizabeth Teixeira", do cineasta Eduardo Coutinho, morto em 2014 e diretor de “Cabra Marcado para Morrer”, obra que conta a história de João Pedro, Elizabeth e das ligas camponesas do Nordeste. O lançamento do documentário será no Centro de Formação João Pedro Teixeira, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, no município de Lagoa Seca (PB).
Prisão e fuga
No sábado (14/2), haverá o lançamento do documentário "A família de Elizabeth Teixeira", do cineasta Eduardo Coutinho, morto em 2014 e diretor de “Cabra Marcado para Morrer”, obra que conta a história de João Pedro, Elizabeth e das ligas camponesas do Nordeste. O lançamento do documentário será no Centro de Formação João Pedro Teixeira, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, no município de Lagoa Seca (PB).
Prisão e fuga
Depois da morte de João Pedro, em 2 de abril
de 1962, Elizabeth assume a liderança do movimento, ao lado de nomes como Pedro
Fazendeiro e Nego Fuba. Foi presa por várias vezes e, numa delas, retorna à
casa para se deparar com a tragédia do suicídio da filha mais velha, Marluce,
que não suportou conviver com a possibilidade de a mãe ter o mesmo destino do
pai.
Em 1964, com a instalação do regime militar,
Elizabeth é presa pelo Exército e passa oito meses na cadeia. Na volta, precisa
fugir para não ser morta. Esconde-se na cidade de São Rafael, no interior do
Rio Grande do Norte, com apenas um dos 11 filhos – Carlos, que é rejeitado pelo
avô por se parecer muito com o pai. Passa 17 anos afastada da família, vivendo
com a identidade de Marta Maria da Costa.
Isso até 1981, quando o cineasta Eduardo
Coutinho resolve retomar as gravações de “Cabra Marcado para Morrer”,
interrompidas pela truculência da ditadura. Por intermédio de um dos filhos de
Elizabeth, Coutinho reencontra a líder camponesa e conclui o trabalho. A viúva
de João Pedro vem, então, morar em João Pessoa, no bairro de Cruz das Armas, em
uma casa que lhe é presenteada pelo próprio Eduardo Coutinho.
Heranças da luta
Heranças da luta
As ligas camponesas e a história de João
Pedro e Elizabeth são lembradas não apenas como registro histórico. A luta
chegou aos dias atuais, trouxe heranças e desafios futuros. Embora a sonhada
reforma agrária ainda não tenha se concretizado, o homem do campo está
consciente dos próprios direitos e busca cada vez mais organizar-se em cooperativas
e associações para potencializar ações e iniciativas.
Para o presidente do Memorial das Ligas Camponesas, o agricultor Luiz Damázio de Lima (o Luizinho), os líderes João Pedro e Elizabeth Teixeira deram o primeiro passo, mas a luta camponesa continua se atualizando. E várias são as heranças desse movimento. Uma delas, segundo Luizinho, é o crescimento da organização dos pequenos produtores.
Ele cita a experiência da Ecovárzea
(Associação dos Agricultores e Agricultoras da Várzea Paraibana), uma entidade
que reúne cerca de 300 assentados. “Esse tipo de iniciativa nasceu com as
ligas”, afirma. Juntos, os pequenos produtores são mais fortes do que se
estivessem trabalhando de forma independentes.
No caso da Ecovárzea, eles optaram por um
modelo de cultivo limpo e saudável: a agroecologia. Longe dos agrotóxicos e
aditivos químicos, os trabalhadores ganham em qualidade de vida e levam
verduras, hortaliças e frutas de melhor qualidade ao consumidor. A
comercialização é feita sempre às sextas-feiras, na UFPB, e a estimativa de
venda é de R$ 7 mil a R$ 8 mil por semana
Segundo Luizinho, a Paraíba já conta com 45
feiras de pequenos produtores com a da Ecovárzea. “Não são todas
agroecológicas, mas isso já demonstra o processo organizativo dos
agricultores”. Nessas feiras, são comercializadas entre 90 e 100 toneladas de
produtos semanalmente. “Isso dá uma rentabilidade imensa”, afirma.
Outra herança das ligas, segundo o
agricultor, está no maior acesso à educação. “Hoje temos filho de agricultor
fazendo Pedagogia, Enfermagem, Ciências Agrárias, Agroecologia, Agronomia, por
exemplo. Nossos filhos estão lutando para conquistar um espaço na
universidade”, garante. “Há uma quantidade muito grande de jovens do campo que
estão conseguindo sua formação e estão atuando em cooperativas e associações”,
reafirma a professora da UFPB, Fátima Rodrigues, que é colaboradora do Memorial
das Ligas Camponesas.
Ela e Luizinho citam ainda como ganhos
decorrentes das ligas camponesas o maior acesso à saúde e o crescimento da
participação e do protagonismo das mulheres nas ações das comunidades rurais.
“Ainda precisamos melhorar bastantes, por exemplo, ampliando a assistência médica, as políticas públicas para os jovens, a infraestrutura, as escolas”, afirma Luizinho. E para se alcançar essas melhorias, segundo ele, é necessário que o homem do campo continue ciente da importância do processo organizativo.
Sobre qual conquista seria a mais difícil de
alcança, Luizinho se mostra convicto: “difícil é conquistar a consciência da
sociedade em apoio a essa luta”, declara. Para ele, o aniversário de Elizabeth
Teixeira é a consagração de 90 anos de luta. “Ela não começou a lutar depois de
casada com João Pedro, mas quando nasceu. Ela enfrentou o próprio pai, que era
latifundiário. Essa celebração é uma honra para nós. Se João Pedro é o cabra
marcado para morrer, Elizabeth é a mulher marcada para viver”, declara."
♦ Renata Ferreira é jornalista
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