Relatos
de reações adversas assustam pais, mas Organização Mundial da Saúde atesta que
imunizante é seguro e eficaz.
Maria Clara Serra
RIO
- A vacinação contra o papilomavírus humano (HPV) - principal infecção viral
transmitida pelo sexo no mundo - tem sido motivo de controvérsia. Nos Estados
Unidos, Joseph Mercola, médico popular na internet que está sendo acusado pela
FDA (agência reguladora de medicamentos do país) de incitar ações na justiça
sem fundamento, mostrou em seu site relatos de adolescente contando ter sofrido
efeitos graves causados pela vacina Gardasil, no Brasil chamada apenas de
quadrivalente. Katie Couric, apresentadora da rede de TV CBS, também abriu
espaço em seu programa para mães contarem como a vacina teria prejudicado suas
filhas.
Sem provas de reações graves
Mas
no mundo, 134 milhões de doses da vacina quadrivalente já foram distribuídas
desde 2006. Se forem somadas às 41 milhões do outro tipo, a bivalente,
conhecida mundialmente como Cervarix, chega-se a 175 milhões de doses sem que
nenhum relato de reações graves tenha sido comprovado. Apesar disso, das 200
pessoas que entraram na Justiça dos Estados Unidos com reclamações da vacina,
49 delas ganharam cerca de US$ 6 milhões do Programa Nacional de Compensação de
Injúrias causadas por Vacinação. Enquanto isto, no Japão, queixas de duas mil
pessoas fizeram com que o país cancelasse sua campanha de vacinação pública. O
imunizante segue permitido em unidades particulares.
-
Não há evidências de que as vacinas contra o HPV causem as reações adversas que
estão sendo faladas - afirma Luisa Villa, coordenadora do Instituto do HPV, uma
das palestrantes do Simpósio de Vacinas da Academia Brasileira de Ciências, que
será realizado essa semana no Rio. - Nos ensaios clínicos feitos com oito mil
pessoas, foram registrados vários casos graves, inclusive morte. Em todos eles,
foi comprovado que a vacina não era a causa. São relações temporais, ou seja,
coisas que iriam acontecer independentemente da vacina, mas que, por acaso, se
manifestaram após a vacinação.
Um
desses casos de temporalidade chocou o Reino Unido em 2009, quando Natalie
Morton, de 14 anos, morreu duas horas depois de tomar a vacina contra HPV em
seu colégio, na cidade de Coventry. Após um princípio de revolta entre a
população, o Serviço Nacional de Saúde da cidade pediu calma para investigar a
causa e comprovou, dias depois, que ela havia morrido em decorrência de um
tumor maligno.
-
Esse tipo de relação sempre vai acontecer com vacinas utilizadas em escalas
maiores - analisa Gabriel Oselka, do Departamento de Pediatria da Faculdade de
Medicina de São Paulo. - Quando não se encontra uma causa para determinado
evento que acontece depois da vacinação, é natural que se atribua à vacina.
Foi
o que aconteceu com uma roteirista de TV, de 50 anos, que prefere não se
identificar. Após recomendação de pediatra e ginecologista, ela levou a filha,
então com 16 anos, para tomar a primeira dose da quadrivalente. Dez dias
depois, a adolescente teve um surto psicótico.
- O
psiquiatra diagnosticou minha filha com esquizofrenia e começou a tratá-la com
muitos remédios. Como o quadro não melhorava, ele aumentou a dose dos
medicamentos até que ela teve que ser internada - conta. - Eu fiquei desesperada.
Depois fizemos análises e descobrimos um quadro de vasculite cerebral
(destruição inflamatória dos vasos sanguíneos do cérebro).
Reações devem ser relatadas
Entre
o início do surto e o diagnóstico, foram 43 dias de sofrimento. Como os médicos
não conseguiram achar nenhum motivo para a doença, a vacina foi apontada como a
possível causa. A reação na menina de 16 anos pode ter sido desencadeada por
qualquer coisa. Por isso, a indicação é que, diante de um comportamento anormal
após o uso de medicação ou vacinação, procure-se uma unidade de saúde.
-
Todo lançamento de vacina envolve um esquema de farmacovigilância muito grande
- afirma Guilherme Leser, diretor de relações com o governo da MSD, empresa
responsável pela fabricação da Gardasil. - Além da empresa, a Anvisa e o
Ministério da Saúde monitoram os casos de reações adversas, e o relato é
fundamental para que possamos avaliar se existe algum problema com a vacina.
A
Anvisa confirmou o acompanhamento dos relatos e afirmou que nenhuma reação grave
foi comprovada. Em âmbito internacional, a Organização Mundial de Saúde (OMS)
divulgou um comunicado em julho deste ano atestando a segurança e a importância
da vacinação contra HPV.
- A
vacina não é feita com o vírus, e sim com uma proteína que “imita” o vírus, ela
não leva seu DNA - explica Mauro Romero, chefe do setor de Doenças Sexualmente
Transmissíveis (DST) da Universidade Federal Fluminense (UFF). - Posso afirmar
que as substâncias químicas da vacina não podem gerar efeito colateral e que é
muito perigoso esse questionamento, pois isto pode frear um avanço muito grande
em termos de saúde pública.
Norte e Nordeste ainda são mais afetados
A
partir de março de 2014, a quadrivalente entra no calendário de vacinação
brasileiro. No ano que vem, serão vacinadas meninas de 11 a 13 anos em escolas
públicas ou em postos de saúde. Em 2015, será a vez de meninas de 9 a 11 anos.
Por recomendação da Organização Pan-americana da Saúde, ela será aplicada em
três doses: as duas primeiras com um intervalo de seis meses entre; e a
terceira após cinco anos.
- No
Brasil, cerca de 4,8 mil mulheres morrem por ano em decorrência de câncer de
colo de útero, tendo o HPV como 70% das causas - diz o secretário de Vigilância
em Saúde, Jarbas Barbosa. - Alguns anos atrás esse tipo de câncer era a
principal causa de morte entre elas. Hoje conseguimos ampliar a realização do
papanicolau, e o câncer de colo de útero caiu para a quarta causa nas regiões
mais desenvolvidas. No Norte e no Nordeste ele ainda está em segundo lugar.
A ginecologista
Rebeca Oliveira, da Med-rio Check-up, alerta que a vacina não previne
totalmente contra o HPV, e que o uso da camisinha e a realização do papanicolau
são indispensáveis.
Perguntas e respostas
Quem
já foi infectado deve tomar a vacina?
Sim.
Mesmo que entre 52% e 68% das mulheres criem anticorpos naturais contra a
infecção pelo HPV, ainda há a possibilidade de ser infectada por outros tipos
do vírus, por isso vale a pena tomar.
Qual
o limite de idade e o melhor momento para tomar a vacina?
O
ideal é que a vacinação seja feita antes do início da vida sexual, mas quem não
é mais virgem também deve tomar. A vacina oferece proteção de longo prazo
contra o HPV. A indicação para mulheres acima de 26 anos é tomar a bivalente,
que tem como foco maior a prevenção do câncer e não das lesões benignas. Isso
não quer dizer, no entanto, que a quadrivalente terá efeito negativo.
Por
quanto tempo a pessoa fica protegida?
Os
primeiros estudos clínicos foram realizados há 10 anos, e o acompanhamento dos
voluntários ainda não apontou nenhuma falha para os tipos de HPV contidos na
vacina.
A
vacina causa reações adversas graves e pode levar à morte?
Não
há comprovação científica. Em julho deste ano, a OMS emitiu um comunicado
reafirmando a importância e a segurança da vacina. Os efeitos colaterais mais
comuns são dor de cabeça, náusea, febre branda e reação no local da aplicação.
Algumas adolescentes podem desmaiar e, por isso, os fabricantes recomendam que
as mulheres fiquem sentadas 15 minutos após tomar a vacina.
Saiba mais sobre o vírus
HPV
O
papilomavírus humano se instala na pele ou em mucosas e é a DST mais frequente
no mundo, com mais de cem tipos
Doenças
relacionadas
Verrugas
genitais, câncer de colo do útero, vagina, vulva, ânus, pênis, boca e garganta
Prevenção
A
camisinha evita entre 70% e 80% das transmissões. O exame papanicolau detecta
até 90% dos cânceres de colo do útero
Vacina
bivalente
Protege
contra os tipos 16 e 18 do vírus. Deve ser tomada em três doses: a primeira, um
mês depois e outra após seis meses. É indicada para mulheres a partir de 9 anos
e cobre 70% de lesões pré-cancerosas de colo do útero
Vacina
quadrivalente
Protege
contra os tipos 6, 11, 16 e 18 do vírus. No Brasil, será tomada em três doses:
as duas primeiras com intervalo de seis meses, e a terceira após cinco anos. É
indicada para homens e mulheres, de 9 a 26 anos, e cobre 70% de lesões
pré-cancerosas de colo do útero; 90% de lesões pré-cancerosas de ânus; 50%
de lesões pré-cancerosas de vulva; 60% de lesões pré-cancerosas de vagina;
90% de verrugas genitais
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