Por Mauro Santayana em 28/08/2013
Podemos imaginar o sofrimento das famílias
espanholas, com a perda de mais de 80 pessoas no acidente de Santiago de
Compostela. Ele é ainda maior, quando se sabe que o responsável direto pelo
acidente, segundo sua própria confissão, foi o condutor do trem. A composição
descarrilhou no último trecho do trem de alta velocidade, da linha Madri-El
Ferrol, explorada pela Renfe, empresa estatal espanhola.
Quando se cogitou de construir uma linha de
altíssima velocidade, ligando o Rio a São Paulo e a Campinas, não faltaram
advertências de bom senso. Esses trens são interessantes em trechos médios e
curtos, em países bem menores do que o nosso, e onde já existam linhas
convencionais confortáveis, eletrificadas e inteligentes, acessíveis à maioria
da população. A construção de longos trechos só é justificada em países como a
China, que dispõem de bilhões, para investir no que quiserem, e que não fazem
isso por meio de empresas estrangeiras.
Não é esse o nosso caso. As nossas ferrovias
se encontram sucateadas, e as empresas concessionárias só se interessam em
conservar e ampliar os trechos que lhes garantem lucros fabulosos, com foco no
transporte de carga, e não de passageiros. É muito mais importante, por isso
mesmo, empregar todo o dinheiro possível na construção de novas linhas,
destinadas a transporte de passageiros, em velocidade razoável e em condições
ideais de segurança. Ora, segundo as informações divulgadas pelo próprio
governo, pretende-se uma velocidade média de 350 km/hora, ainda não atingido em
qualquer outra obra do gênero. O custo já está calculado em 38 bilhões, e pode
crescer ainda mais. Com esse dinheiro é possível duplicar a malha ferroviária
nacional, que é hoje de 28.000 km, retificando o leito de muitas delas e
eletrificando outras.
No trecho São Paulo-Rio, seria possível a
aquisição de vagões-leito de grande conforto, que permitisse ao viajante passar
a noite dormindo, e chegar descansado ao destino – depois de uma ducha no
próprio compartimento. É uma boa alternativa ao transporte aéreo de pequeno
curso, que exige do passageiro algumas horas, além do vôo em si: duas para
chegar com uma hora de antecedência ao aeroporto e, no destino, pelo menos mais
uma hora depois do desembarque, para chegar à cidade.
Não se sabe bem por quê, o Ministro Paulo
Bernardo decidiu convidar as empresas espanholas para constituir o consórcio
para a construção e exploração do nosso trem de alta velocidade. Foi assim que
a Renfe – a estatal que monopoliza o sistema ferroviário espanhol – se aliou às
empresas estatais Adif – Administradora de Infraestruturas, e Ineco, engenharia
e economia de transportes – para disputar, como favorita, segundo a imprensa
daquele país.
Tampouco não se sabe por quê o edital de
licitação, divulgado pelo governo brasileiro, faz uma curiosa exigência, a de
que a empresa licitante não tenha sofrido, em suas linhas de alta velocidade,
um acidente nos últimos cinco anos, o que excluiria em princípio a China, onde
está a maior rede de alta velocidade do mundo. O desastre de Santiago de Compostela
inviabiliza, liminarmente, a Renfe. É interessante registrar essa cláusula do
edital, já que, como mostram o caso da China e da própria Espanha, é impossível
impedir acidentes, em trens de qualquer velocidade, como acontece também em
outras modalidades de transporte, como o aéreo, por exemplo.
E, ainda que fosse importante a adoção do
trem-bala, já temos em andamento uma tecnologia em princípio muito mais
avançada do que a espanhola – que na verdade é alemã e francesa – que é a de
levitação magnética, que está sendo testada no Rio de Janeiro pela Coppe, da
UFRJ (foto acima). Embora baseada em experiências anteriores, o projeto
brasileiro avança em sua tecnologia, prevista para ser aplicada primeiro em
transporte urbano, mas que também serve para médias e longas distâncias, com a
vantagem de permitir graus de inclinação na linha que são inalcançáveis para os
trens-bala atuais.
*Mauro Santayana é um jornalista autodidata
brasileiro. Prêmio Esso de Reportagem de 1971, fundou, na década de 1950, O
Diário do Rio Doce, e trabalhou, no Brasil e no exterior, para jornais e
publicações como Diário de Minas, Binômio, Última Hora, Manchete, Folha de S.
Paulo, Correio Brasiliense, Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil onde mantêm uma
coluna de comentários políticos. Cobriu, como correspondente, a invasão da
Checoslováquia, em 1968, pelas forças do Pacto de Varsóvia, a Guerra Civil
irlandesa e a Guerra do Saara Ocidental, e entrevistou homens e mulheres que
marcaram a história do Século XX, como Willy Brandt, Garrincha, Dolores
Ibarruri, Jorge Luis Borges, Lula e Juan Domingo Perón. Amigo e colaborador de
Tancredo Neves, contribuiu para a articulação da sua eleição para a Presidência
da República, que permitiu o redemocratização do Brasil. Foi
secretário-executivo da Comissão de Estudos Constitucionais e Adido Cultural do
Brasil em Roma.
http://www.maurosantayana.com/
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