4/5/2013 13:45 Por
Redação (Correio do Brasil) - do Rio de Janeiro
Trechos de uma longa entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao sociólogo Emir Sader, transformada em livro a ser lançado ainda este mês, vazaram neste sábado para a mídia alternativa e revelam o porquê de o líder mais influente do Partido dos Trabalhadores manter silêncio sobre o escândalo do ‘mensalão’, quebrado apenas no diálogo com o intelectual carioca. Tratou-se de uma estratégia para seguir adiante, apesar do pesado ataque da mídia conservadora, ao longo da última década.
Trechos de uma longa entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao sociólogo Emir Sader, transformada em livro a ser lançado ainda este mês, vazaram neste sábado para a mídia alternativa e revelam o porquê de o líder mais influente do Partido dos Trabalhadores manter silêncio sobre o escândalo do ‘mensalão’, quebrado apenas no diálogo com o intelectual carioca. Tratou-se de uma estratégia para seguir adiante, apesar do pesado ataque da mídia conservadora, ao longo da última década.
– Tentaram
usar o episódio do mensalão para acabar com o PT e, obviamente, acabar com o
meu governo. Na época, tinha gente que dizia: “O PT morreu, o PT acabou”.
Passaram-se seis anos e quem acabou foram eles. O DEM nem sei se existe mais. O
PSDB está tentando ressuscitar o jovem Fernando Henrique Cardoso porque não
criou lideranças, não promoveu lideranças. Isso deve aumentar a bronca que eles
têm da gente – que, aliás, não é recíproca – ressalta.
Na
entrevista, reproduzida no livro Governos
Pós-Liberais no Brasil: Lula e Dilma, a ser lançado no próximo dia
18, o ex-presidente também reafirma a necessidade de uma constituinte, para
levar a cabo a reforma política essencial para a consolidação da democracia no
país. Segundo afirmou a Emir Sader, “a eleição está ficando uma coisa muito
complicada pro Brasil”.
– Eu tentei,
quando presidente, falar de uma Constituinte exclusiva, que é o caminho: eleger
pessoas que só vão fazer a reforma política, que vão lá (para o Congresso),
mudam o jogo e depois vão embora. E daí se convocam eleições para o Congresso.
O que não dá é pra continuar assim. Às vezes tenho a impressão que partido
político é um negócio, quando, na verdade, deveria ser um item extremamente
importante para a sociedade – afirmou.
Leia agora os principais trechos da entrevista
–
Qual o balanço que o senhor faz dos anos de governo do PT e aliados?
– Esses
anos, se não foram os melhores, fazem parte do melhor período que este país
viveu em muitos e muitos anos. Se formos analisar as carências que ainda existem,
as necessidades vitais de um povo na maioria das vezes esquecido pelos
governantes, vamos perceber que ainda falta muito a fazer para garantir a esse
povo a total conquista da cidadania. Mas, se analisarmos o que foi feito, vamos
perceber que outros países não conseguiram, em trinta anos, fazer o que nos
conseguimos fazer em dez anos. Quebramos tabus e conceitos preestabelecidos por
alguns economistas, por alguns sociólogos, por alguns historiadores. Algumas
verdades foram por água abaixo. Primeiro, provamos que era plenamente possível
crescer distribuindo renda, que não era preciso esperar crescer para
distribuir. Segundo, provamos que era possível aumentar salário sem inflação.
Nos últimos 10 anos, os trabalhadores organizados tiveram aumento real: o
salário mínimo aumentou quase 74% e a inflação esteve controlada. Terceiro,
durante essa década aumentamos o nosso comercio exterior e o nosso mercado
interno sem que isso resultasse em conflito. Diziam antes que não era possível
crescer concomitantemente mercado externo e mercado interno. Esses foram alguns
tabus que nós quebramos. E, ao mesmo tempo, fizemos uma coisa que eu considero
extremamente importante: provamos que pouco dinheiro na mão de muitos é
distribuição de renda e que muito dinheiro na mão de poucos é concentração de
renda.
–
Quando começou o governo, o senhor devia ter uma ideia do que ele seria. O que
mudou daquela ideia inicial, o que se realizou e o que não se realizou, e por
quê?
– Tínhamos
um programa e parecia que ele não estava andando. Eu lembro que o ministro Luiz
Furlan, cada vez que tinha audiência, dizia: ‘Já estamos no governo há tantos
dias, faltam só tantos dias para acabar e nós precisamos definir o que nós
queremos que tenha acontecido no final do mandato. Qual é a fotografia que nós
queremos’. E eu falava: ‘Furlan, a fotografia está sendo tirada’. Não é
possível ficar com pressa de obter resultados. Nós temos que provar, no final
de um mandato, se nós fomos capazes de fazer aquilo que nos propusemos a fazer.
Se a gente for trabalhar em função das manchetes dos jornais, a gente parece
que faz tudo e termina não fazendo nada.
Então é o
seguinte: eu plantei um pé de jabuticaba. Se esse pé nascer saudável, vai ter
sempre alguém dizendo: ‘Mas, Lula, não está dando jabuticaba, está demorando’.
Se for cortar o pé e plantar outra coisa, eu nunca vou ter jabuticaba. Então,
eu tenho que acreditar que, se eu adubar corretamente, aquele pé vai dar
jabuticaba de qualidade. E eu citava esses exemplos no governo… Soja tem que
esperar 120 dias, o feijão tem que esperar 90 dias. Não adianta ficar
repisando, ‘faz uma semana que eu plantei e não nasceu’. Tem que ter paciência.
Eu acho que eu fui o presidente que mais pronunciei a palavra ‘paciência’,
‘paciência’… Senão você fica louco.
Tem gente na
política que levanta de manhã, lê o jornal e quer dar resposta ao jornal. E daí
não faz outra coisa. Eu não fui eleito para ficar o tempo todo dando resposta a
jornal. Eu fui eleito para governar um país. E isso me deu tranquilidade
suficiente para ver que o programa de governo ia ser cumprido.
–
Quando o senhor perdeu a paciência?
– Obviamente
que nós tivemos problemas no começo. Você acha que é simples um metalúrgico
sentar naquela cadeira na qual sentaram tantas outras personalidades, que via
pela televisão, que achava que era mais importante do que eu… E o mesmo em
relação a dormir no quarto em que dormiu tanta gente importante ou que, pelo
menos a voz da opinião publica, são importantes. E eu ficava pensando: ‘Será
que é verdade que eu estou aqui?’.
No começo
tinha muita ansiedade. “Será que nós vamos dar conta de fazer isso? Será que
vai ser possível?”, eu me perguntava. Eu acho que nós fizemos. Com erro e com
muita tensão, mas fizemos.
Tivemos
tropeços, é lógico. Muitos tropeços. O ano de 2005 foi muito complicado. Quando
saiu a denúncia (do ‘mensalão’), foi uma situação muito delicada. Se não
tivéssemos cuidado, não iríamos discutir mais nada do futuro, só aquilo que a
imprensa queria que a gente discutisse. Um dia, eu cheguei em casa e disse: ‘Marisa,
a partir de hoje, se a gente quiser governar este país, a gente não vai ver
televisão, a gente não vai ver revista, a gente não vai ler jornal’. Eu passei
a ter meia hora de conversa por dia com a assessoria de imprensa, para ver qual
era o noticiário, mas eu não aceitava levantar de manhã, ligar a televisão e já
ficar contaminado. Então eu acho que isso foi um dado muito importante.
Eu tinha uma
equipe e criamos uma sala de situação, da qual participavam Dilma, Ciro
(Gomes), Gilberto (Carvalho) e Márcio (Thomaz Bastos). E era muito engraçado:
eu chegava ao Palácio e eles estavam todos nervosos. E eu estava tranquilo e
falava: ‘Vocês estão vendo? Vocês leem jornal… Vocês estão nervosos por quê?’.
Vocês nasceram radicais…
– O PT era
muito rígido, e foi essa rigidez que lhe permitiu chegar aonde chegou. Só que,
quando um partido cresce muito, entra gente de todas as espécies. Ou seja,
quando você define que vai criar um partido democrático e de massa, pode entrar
no partido um cordeiro e pode entrar uma onça, mas o partido chega ao poder.
Então, a nossa chegada ao poder foi vista por eles não como uma alternância de poder benéfica à democracia, não como uma coisa normal: houve uma disputa, ganhou quem ganhou, leva quem ganhou, governa quem ganhou e fim de papo. Não é isso? Eles não viram assim. Quer dizer, eu era um indesejado que cheguei lá. Sabe aquele cara que é convidado para uma festa, e o anfitrião nem tinha convidado direito. Fala assim: ‘Se você quiser, passa lá’. E você passa e o cara fala: ‘Esse cara acreditou?’. Então, nós passamos na festa, e o que é mais grave, acertamos.
Então, a nossa chegada ao poder foi vista por eles não como uma alternância de poder benéfica à democracia, não como uma coisa normal: houve uma disputa, ganhou quem ganhou, leva quem ganhou, governa quem ganhou e fim de papo. Não é isso? Eles não viram assim. Quer dizer, eu era um indesejado que cheguei lá. Sabe aquele cara que é convidado para uma festa, e o anfitrião nem tinha convidado direito. Fala assim: ‘Se você quiser, passa lá’. E você passa e o cara fala: ‘Esse cara acreditou?’. Então, nós passamos na festa, e o que é mais grave, acertamos.
E depois,
tentaram usar o episódio do ‘mensalão’ para acabar com o PT e, obviamente,
acabar com o meu governo. Na época, tinha gente que dizia: “O PT morreu, o PT
acabou”. Passaram-se seis anos e quem acabou foram eles. O DEM nem sei se
existe mais. O PSDB está tentando ressuscitar o jovem Fernando Henrique Cardoso
porque não criou lideranças, não promoveu lideranças. Isso deve aumentar a
bronca que eles têm da gente – que, aliás, não é recíproca.
– O
senhor não tem raiva da oposição?
– Eu não
tenho raiva deles e não guardo mágoas. O que eu guardo é o seguinte: eles nunca
ganharam tanto dinheiro na vida como ganharam no meu governo. Nem as emissoras
de televisão, que estavam quase todas quebradas; os jornais, quase todos
quebrados quando assumi o governo. As empresas e os bancos também nunca
ganharam tanto, mas os trabalhadores também ganharam. Agora, obviamente que eu
tenho clareza que o trabalhador só pode ganhar se a empresa for bem. Eu não
conheço, na história da humanidade, um momento em que a empresa vai mal e que
os trabalhadores conseguem conquistar alguma coisa a não ser o desemprego.
– O
Brasil mudou nesses dez anos. E o senhor, também mudou?
– Uma das
coisas boas da velhice é você tirar proveito do que a vida te ensina, em vez de
ficar lamentando que está velho. A vida me ensinou muito. Criar um partido nas
condições que nos criamos foi muito difícil. Agora que o partido é grande, tudo
fica fácil, mas eu viajava esse país para fazer assembleia com três pessoas,
com quatro pessoas, com cinco pessoas. Saia daqui de São Paulo para o Acre pra
fazer reunião com dez pessoas, para convencer o Chico Mendes a entrar no PT,
para convencer o João Maia – aquele que recebeu dinheiro para votar na eleição
do Fernando Henrique Cardoso e era advogado da Contag – para entrar no PT. Era
muito difícil fazer caravana, viajar ao Nordeste, pegar ônibus, ficar uma
semana andando, fazendo comício ao meio-dia, com um sol desgraçado, explicando
o que era o PT para que as pessoas quisessem se filiar.
– Por
quê?
– A eleição
está ficando uma coisa muito complicada pro Brasil. No mundo inteiro. No
Brasil, se o PT não reagir a isso, poucos partidos estarão dispostos a reagir.
Então o PT precisa reagir e tentar colocar em discussão a reforma política. Eu
tentei, quando presidente, falar de uma Constituinte exclusiva, que é o
caminho: eleger pessoas que só vão fazer a reforma política, que vão lá (para o
Congresso), mudam o jogo e depois vão embora. E daí se convocam eleições para o
Congresso. O que não dá é pra continuar assim.
Às vezes
tenho a impressão que partido político é um negócio, quando, na verdade,
deveria ser um item extremamente importante para a sociedade. A sociedade tem
que acreditar no partido, tem que participar dos partidos.
– O
PT não mudou necessariamente para melhor?
– O PT mudou
porque aprendeu a convivência democrática da diversidade; mas, em muitos
momentos, o PT cometeu os mesmos desvios que criticava como coisas totalmente
equivocadas nos outros partidos políticos. E esse é o jogo eleitoral que está
colocado: se o político não tiver dinheiro, não pode ser candidato, não tem
como se eleger. Se não tiver dinheiro para pagar a televisão, ele não faz uma
campanha.
Enquanto
você é pequeno, ninguém questiona isso. Você começa a ser questionado quando
vira alternativa de poder. Então, o PT precisa saber disso. O PT, quanto mais
forte ele for, mais sério ele tem que ser. Eu não quero ter nenhum preconceito
contra ninguém, mas eu acho que o PT precisa voltar a acreditar em valores que
a gente acreditava e que foram banalizados por conta da disputa eleitoral. É o
tipo de legado que a gente tem que deixar para nossos filhos, nossos netos. E
provar que é possível fazer política com seriedade. Você pode fazer o jogo
político, pode fazer aliança política, pode fazer coalizão política, mas não
precisa estabelecer uma relação promíscua para fazer política. O PT precisa
voltar urgentemente a ter isso como uma tarefa dele e como exercício pratico da
democracia. Não tem de voltar a ser sectário como era no começo.
Eu lembro
que companheiros meus perderam seu emprego numa metalúrgica, montaram um bar,
mas quiseram entrar no sindicato e não puderam. “Você não pode entrar porque é
patrão”, diziam. O coitado do cara tinha só um bar! A coitada da minha sogra, a
mãe do marido da Marisa, a mãe do primeiro marido da Marisa (eu sou o único
cara que tive três sogras na vida e uma que não era minha sogra; era sogra da
minha mulher, por conta do ex-marido dela, que eu adotei como sogra), a coitada
tinha um fusquinha 1966 que era herança do marido. E ela ganhava acho que R$
600 – naquele tempo era como se fosse um salário mínimo de hoje – de
aposentadoria, mas gostava de andar bem-vestida. Ela chegava a reunião do PT e
o pessoal falava: ‘Já veio a burguesa do Lula’.
Tinha um
candidato a vereador que queria dinheiro para a campanha e eu falei: “Olha, eu
não vou pedir dinheiro para a campanha. Se você quiser, eu te apresento algumas
pessoas”. Dai ele disse: “Não, mas eu não quero conversar com empresário”.
Falei: “Então você quer que um favelado dê dinheiro para a tua campanha?”. Eu
já fiz campanha de cofrinho. Eu já fiz campanha de macacão em palanque. Na
campanha de 1982, a gente ia ao palanque, antes que eu falasse, fazia
propaganda das camisas, dos botons,
de tudo que a gente vendia. E a gente vendia na hora e arrecadava o dinheiro
para pagar as despesas daquele comício”.
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